Não se pode perder de vista as intenções dos chefs em relação ao tipo de temperos para atrair as massas e embriagá-las. Foto: Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR
Notícia do dia 24/11/2025
Nos dias 10 a 21 deste mês de novembro, Belém/PA, acolheu a trigésima Conferência das Partes (COP 30). Aproximadamente 70.000 pessoas ligadas a movimentos diversos, nacionais e internacionais de povos originários e tradicionais, camponeses/as, indígenas, quilombolas, pescadores/as, extrativistas, marisqueiras, trabalhadores/as, sindicalistas, população em situação de rua, quebradeiras de coco, povos de terreiro, mulheres, comunidade LGBTQIAPN+, jovens, afrodescendentes, pessoas idosas - povos da floresta, do campo, das periferias, dos mares, rios, lagos e mangues quebraram silêncios, isolamentos, discriminações, reagiram e enfrentaram com jeitos peculiares a farsa capitalista de “negociar soluções para a crise climática global”.
Em termos figurativos, tais negociações assemelham-se a um caldeirão saborizado sob acordos entre chefs* das nações comandantes. A gororoba incrementada com ‘temperos’ de natureza viciante certamente empachará* de ilusões mentes colonizadas.
Há séculos a realidade sociopolítica mundial vive e até se submete ao comando de sistemas, entidades e de grupos autocráticos. São influências de cunhos político ideológicos aliadas a dogmatismos religiosos. Em suas problematizações, o Escritor Eduardo Galeano tecera anúncios/denúncias, despertares de nossa realidade colonizada, constantes na Obra, As Veias Abertas da América Latina*.
Em realidade, todas as formas de vida independentemente da espécie necessitam sobreviver e, em nome de uma sobrevivência padronizada por autocracias, na maioria das vezes, anula-se a racionalidade humana; o self* ensurdece e se deixa conduzir por modelos, padrões classistas; por comandos concebidos e até aceitos como regras, dogmas supremacistas sob propósitos de camuflar condições servis, proletárias, escravistas falseando uma aparência ou um padrão de superioridade e falsa autonomia.
Essa gororoba* toda vem sendo muito bem temperada entre os chefs das COPs. O poder do capital saboriza via atrativos sedutores, democracistas, as bases sociais sedentas, a classe trabalhadora desnutrida por longos períodos de jejuns e por busca de oportunidades participativas para levar desabafos e indignações às farsas governistas, contraditórias a práticas ditas de defesa e proteção aos recursos naturais - base teórica da anunciada Justiça Climática.
Não participei do Evento por razões ideológicas. Na verdade, descrença nos arranjos técnicos oficiais sobre defesas ambientais, mudanças climáticas estruturais e etc. Porém, sintonizei com os atrevimentos de Companheirxs e Camaradas forjando brechas de rebeldia contra farsas estruturais advindas da cúpula sistêmica. Apesar do empenho autêntico, aguerrido dos coletivos, das organizações sociais/populares, das comunidades nativas e tradicionais, nós, proletárixs, classe trabalhadora oprimida, servis de um sistema piramidal, precisamos rever, aprofundar estratégias, metodologias e ocupar nosso legítimo lugar na história. Afinal, na Democracia, manda a força e o poder do povo, da maioria organizada e unida; não o poder do capital.
É inegável: diante do quadro apocalíptico se faz urgente e necessário aprofundamentos nas teorias revolucionárias para que os movimentos sociais/populares intervenham com determinação, ousadia e ocupem o comando de outras Cúpulas legitimamente dos Povos.
Acompanhei relatos... Intervenções significativas! Denúncias, proposições coerentes, inquietações que não podem calar, mascarar-se ou submeter-se a renegociações sob argumentos de acordos em nome de justiça e paz: são “declarações acumuladas em lutas, debates, estudos, intercâmbios de experiências, atividades culturais e depoimentos, por longo tempo”.
Nas sistematizações da Declaração da Cúpula dos Povos, pontuei questões que julguei importantes cuja linguagem alcança as bases populares, isolamentos e gemidos silenciados. Ao mesmo tempo em que cutucam apatias, desinteresses, omissões e apontam caminhos para processos libertários de alfabetização político-social, para um justo enfrentamento ao modelo de exploração a modos de vida sustentáveis, a recursos naturais e à vida em sua essencialidade.
Vir-a-Ser
Possibilidades a justas conquistas: ativismo, protagonismo popular na construção de soluções saudáveis e praticização das sabedorias ancestrais; distribuição igualitária da riqueza; desmilitarização; intervenções sobre corporações protegidas de taxações e sobre explorações de biomas e combustíveis fósseis; combate à criminalização dos movimentos, organizações populares, perseguição e assassinatos de lideranças; fortalecimento de instrumentos internacionais na defesa dos direitos dos povos silenciados; defesa dos direitos, da autonomia e participação das mulheres nos comandos da história e da vida; transição justa, soberana e popular de garantia aos direitos da classe trabalhadora; efetivação da reforma agrária popular e incentivo à agroecologia - garantia da soberania alimentar e combate à exploração fundiária; combate à privatização, à mercantilização e financeirização dos bens comuns e serviços públicos.
Nas questões pontuadas, não se pode perder de vista as intenções dos chefs em relação ao tipo de temperos para atrair as massas e embriagá-las. A “revolução verde” eternizou-se. E o incentivo à agroecologia como fundamento de “defesa e justiça ambiental” exige vigilância, alinhamento e intervenção das bases comprometidas com modos de produção e consumo. A real efetivação da Declaração da Cúpula dos Povos cobra da população mundial consciência de classe, autoeducação e autorresponsabilidade para que os registros saiam do papel e se transformem em prática interventiva, revolucionária pelo Bem-Viver.
Enquanto temperos sedutores contaminarem mentes e paladares, os gritos da COP 30 se perderão nos desertos e devastações; enquanto 70.000 pessoas gritavam por justiça ambiental, climática, agroecologia, o cardápio disponível contradizia-se à defesa da vida: refrigerante, comidas processadas, embutidas, outras à base de hormônios - frangos, ovos e etc. Aceitar o veneno na mesa é dizer sim ao mercado da morte!
Impossível também dissociar agroecologia das práticas feministas: “Sem feminismo não há agroecologia”. Entre as estratégias de chefs, o mercado do falso embelezamento seduz e silencia lideranças (as próprias vítimas) permitindo-lhes consumos extravagantes, abusivos de cosméticos ignorando-se explorações ao Ventre Sagrado da Mãe Terra - a Fêmea Universal.
Gritar, protestar, espernear e ao mesmo tempo engolir a gororoba ???... O tempero venenoso continua nas mesas e nas mentes. Somente a justa criticidade fará o descarrego; o vômito é inevitável: ameniza empachamentos e reconstitui a flora agredida e ameaçada.
Na unificação das militâncias é possível arrebentar com o caldeirão, rever a toxidade dos temperos e, assim, desnutrir o inimigo comum – o capital e respectivos chefs. “A história é tempo de possibilidades”, anunciara o Educador Paulo Freire. Para tanto, a autonomia, a coragem, a determinação e a ousadia são temperos populares e eficazes para uma justa REVOLUÇÃO. Unamo-Nos!
Falares de Casa
As Veias Abertas da américa Latina. GALEANO, Eduardo. Paz e Terra/SP.1971.
Chefs – alegoria aos chefes dos países que “temperaram” a COP 30.
Empachar – causar indigestão, embaraçar.
Gororoba – comida feita de forma desordenada, de má qualidade ou de aparência duvidosa.
Self – Centro da personalidade.
Maria de Fátima Guedes Araújo. Caboca das terras baixas da Amazônia. Educadora popular, pesquisadora de saberes popular/tradicionais da Amazônia. Licenciada em Letras pela UERJ (Projeto Rondon/1998). Com Especialização em Estudos Latino-americanos pela Escola Nacional Florestan Fernandes/ UFJF. É uma das fundadoras da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde (ANEPS). Autora das obras, Ensaios de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário Falares Cabocos.