Nita Freire, viúva de Paulo Freire, assina prefácio do livro de Fátima Guedes

A partir dos relatos coletados junto às personagens, Guedes afirma comprovar “profundas contradições entre o que determinam as Garantias Fundamentais, expressos no Art.5º da Constituição Federal e o real concreto dos grupos excluídos de seus direitos mais

Nita Freire, viúva de Paulo Freire, assina prefácio do livro de Fátima Guedes Professora Fátima Guedes e a viúva de Paulo Freire (foto divulgação) Notícia do dia 06/03/2018

A indignação ao modelo patriarcal sincronizado ao capitalismo e racismo, cujas afetações atingem a liberdade e autonomia das mulheres, de modo especial, as vítimas de exclusões, é o combustível da educadora popular Fátima Guedes, especialista em Estudos Latino-Americanos pela Escola Nacional Florestan Fernandes, que desde janeiro de 2017 ouve relatos históricos silenciados de Mulheres, segundo ela, “amordaçadas em calabouços existenciais: vitimizadas sexualmente, ex-presidiárias e encarceradas no Presídio Público de Parintins”.

A série foi publicada no site da Agência Amazônia Real e repercutiu no Brasil e em outros países, o que que motivou Guedes ao empenho pela transformação em Livro. Segundo a autora, “no calor das motivações, inspiramo-nos no documentário - Por trás do Silêncio - elaborado pela Anistia Internacional e fundamentado em diálogos com mulheres de comunidades brasileiras socialmente excluídas”.

Prefaciado pela doutora em Educação Nita Freire, viúva do Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, “Algemas Silenciadas” problematiza Princípios Fundamentais da Constituição Federal: construção de uma sociedade livre, justa e solidária; erradicação da pobreza, da marginalização, das desigualdades sociais; promoção do bem comum, sem preconceitos e discriminações de qualquer natureza.

O lançamento acontece nesta quinta-feira, 08 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, nas Ruínas do que seria a Casa da Cultura de Parintins. O local é uma das trincheiras de luta por direitos, onde movimentos sociais teimosia denunciar histórias de corrupções praticadas por administradores públicos.

Personagens
No livro Fátima Guedes fala de “manas anônimas”, as personagens reunidas em desabafos, históricos silenciados sob mordaças patriarcais. “No processo de abertura das picadas que me levaram a territorialidades femininas silenciadas, referendo Manas cujos compromissos libertários seguraram a lamparina, quando a densa escuridão ofuscava caminhos de encontro para a devida escuta”, aponta. De acordo com ela, a série Fêmeas Memórias reafirma o compromisso político militante com todas as Manas universalmente diversas – “Nós de um mesmo novelo: aliadas ou ainda, contraditoriamente, adversárias entre si”.

A obra problematiza a situação de “minorias excluídas em seus direitos fundamentais que representam a maioria da população condenada a situações de (sub)vivência nas periferias e beiradões do País. Nunca falam por si. O direito à escuta geralmente lhes é negado. Sob a lógica do Estado Democrático de Direito, condena-se o/a delitante a partir do ato infracional flagranteado excluindo-se causas, influências e motivações. A maior parte do que se conhece das vidas e histórias dos/as personagens encontra-se nos livros de ocorrências policiais ou é trazida a público através de ridículos e cruéis noticiários”.

Acrescenta ainda a ausência de perspectivas, além do extremo cansaço na fila de espera por “direitos e garantias fundamentais. Cansaço de clamar por vida digna regada com o pão da Justiça, Igualdade e Liberdade, sem fuzis e/ou cassetetes”.

A partir dos relatos coletados junto às personagens, Guedes afirma comprovar “profundas contradições entre o que determinam as Garantias Fundamentais, expressos no Art.5º da Constituição Federal e o real concreto dos grupos excluídos de seus direitos mais elementares. A propósito, categorias humanas em situação de pobreza material, analfabetismo, exclusão, por fim, vulnerabilidade social, ocupam os primeiros lugares nas estatísticas policiais relativas a práticas ilícitas”.

Diferente de outras obras, com valor de mercado, não foi possível à autora conseguir patrocínio institucional, por isso, quem optar por adquiri um livro terá que contribuir com o custo de impressão na Gráfica e Editora João XXIII, em Parintins. Para leitores de outras cidades, há também o custo de frete do Correio.

Livro de Fátima Guedes | “Mudar é difícil, mas é possível”, diz viúva de Paulo Freire
“É a crença nas possibilidades que abre as portas para o desconhecido e, consequentemente, para a construção de realidades humanizantes”. A frase do patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, abre o prefácio escrito pela viúva de Paulo, a doutora em educação Ana Maria Araújo Freire, Nita Freire, para o livro “Algemas Silenciadas”, da educadora popular Fátima Guedes, que será lançado nesta quinta-feira, Dia Internacional de Luta das Mulheres, nas Ruínas da Casa da Cultura.

A ponte ente Fátima e Nita surgiu na Tenda Paulo Freire, durante o Congresso da Abrasco, em 2015, na cidade de Porto Alegra, Rio Grande do Sul. A enfermeira Simone Leite, de Aracajú, nutriu o desejo da Educadora parintinense em ter o livro prefaciado por Nita.

Em seu escrito, Nita Freire diz precisar entender em profundidade “O silêncio das algemas”, “dessa gente nascida na beleza da “Pátria das Águas” e das florestas exuberantes, metida na boniteza extrema da natureza de nosso país e ao mesmo tempo, contraditoriamente, submetida às atrocidades impostas pelo que a existência humana criou de mais feio no mundo, dentro da cultura desumanizadora”.

“A minha segurança surgiu ao ler Fátima, com seus textos tensos e precisos na aproximação do mais íntimo e privado dessas mulheres condenadas, mesmo antes da prisão, aos infortúnios de toda sorte, que acometem sobre suas vidas tão precárias e desprovidas do maior sentimento entre os humanos: o amor. Percebi que Fátima não estava ali só para constatar e escrever sobre a miséria alheia: ela tinha a intenção de mudar o local transformando, dialeticamente, aquelas que viviam lá, na prisão, em SERES MAIS, como dizia Paulo Freire”, argumenta Nita.

Para ela, “o silêncio dessas ‘mulheres invisíveis’ aos ‘homens bons’ e ‘mulheres puras’ da sociedade patriarcal brasileira, se deve justamente a eles e a elas as suas condições de miserabilidade daquelas. Desde jovens, crianças ainda começam a sofrer as injustiças de toda ordem: a de identidade social; a identidade de cor; a situação econômica; a dificuldade de viver a afetividade, mais do que difícil quase impossível de ser vivenciada em ambientes hostis; e a educacional, pois sendo toda educação um ato político, à elas se negam permanecerem abertas as portas das escolas”.

Mas, diz Nita Freire, felizmente, no Brasil, surgem aqui e acolá, fátimas, que sonham, com um mundo melhor e mais justo. Se dedicam de corpo e alma para mudarem essas e outras situações de infâmia e malvadez, que recaem, sobretudo, sobre as mulheres, vem se proliferando no nosso país. A solidariedade, a capacidade de amar e respeitar as outras de Fátima nos espanta e nos alegra. Parabéns, Fátima, por seu trabalho, mas sobretudo, por acreditar que “mudar é difícil, mas é possível”.

Floriano Lins (Jornal A Folha do Povo )

Capa do Livro 

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