Ex-garoto de programa, portador de HIV lança livro em GO: 'Superei tudo'

Em autobiografia, Marcelo Novaes relata período de 8 meses em hospital. Homossexual, ele se diz 'assexuado' e alega que a Aids o mata 'todos os dias'

Ex-garoto de programa, portador de HIV lança livro em GO: 'Superei tudo' Marcelo se prostituiu por três anos e agora lança livro sobre Aids (Foto: Sílvio Simões/Divulgação) Notícia do dia 05/12/2015

Portador do vírus HIV há quase 30 anos, o chef de cozinha de Goiânia Marcelo Novaes, de 49, resolveu passar a limpo toda sua história convivendo com a Aids em um livro autobiográfico. Em "A vida e o vírus", ele conta sobre a decisão de ser garoto de programa quando ainda era adolescente, a descoberta traumática da doença e o período de oito meses praticamente vegetando sobre uma cama de hospital. "Eu quase morri, mas superei tudo isso e resolvi escrever a minha história", disse Marcelo ao G1.

Em 90 páginas, o relato traz ainda uma ideia criada pelo próprio autor, chamada "Nosso Lar", que seria uma casa que ofereça moradia e não só apoio a portadores da doença. No fim, ele lista 50 receitas das quais gosta. O livro foi lançado no último dia 30 de novembro, no Condomínio Solidariedade, onde ainda faz tratamento, O exemplar custa R$ 25.

O pesadelo de Marcelo começou quando ele tinha apenas 17 anos, em Ituiutaba (MG). Nessa idade, ele se descobriu homossexual e como sua condição não era aceita pela família, resolveu sair de casa.

"Sou de uma família tradicional que não admitia a minha opção sexual. Como queria manter o meu padrão de vida, eu trabalhava durante o dia em um restaurante e a noite eu me prostituía. Minha vida era sair e me divertir, ter relações sexuais com várias pessoas. Foi uma escolha errada, que me levou a consequências desastrosas", lembra.

Foram três anos de atuação no ramo do sexo. Aos 22, durante uma doação de sangue, descobriu que tinha sido infectado pelo HIV. No início, como se considerava um "portador saudável", ele não fez questão do tratamento, tampouco tomava o coquetel de remédios necessário.

Somente com 25 anos, Marcelo se deu conta da gravidade da situação. Quase tarde demais. Uma das consequências do descaso com a Aids, foi ter contraído outra doença, a neurotoxoplasmose. A nova enfermidade representou o pior momento de sua vida.

Ninguém fica bem com a doença. Você vive mal. Ela vai te deixando mais fraco e vulnerável. O vírus te mata todos os dias"
Marcelo Novaes, chef de cozinha

"Fique oito meses internado no HDT [Hospital de Doenças Tropicais, em Goiânia], praticamente cego, sem falar e sem me mexer. Fui tratando e meus movimentos foram voltando aos poucos, mas foi diagnosticado que não poderia porque tive uma paralisia dos membros inferiores. Fiquei três anos em uma cadeira de rodas usando fraldas. Raramente acontece de não ficar com sequelas graves. Voltei [a andar] por um milagre", recorda.

Vida assexuada
Atualmente, Marcelo divide um aluguel com uma amiga, também soropositiva, no Setor Goiânia Viva, periferia de Goiânia. Vive com um salário mínimo, benefício obtido junto ao poder público quando ficara internado. Para trás, ficaram os relacionamentos amorosos.

"Há 13 anos, fiz uma opção em ser assexuado. É uma opção minha e que para mim é possível. Não tenho vida afetiva e sofro com isso, mas para mim é melhor assim porque enfrentar um relacionamento e o preconceito... é menos um problema. Já bastam os que eu tenho", salienta.

Entre os problemas, está a difícil adaptação - apesar o tempo de doença - com os cuidados que ela requer. Marcelo toma 11 comprimidos pela manhã, dois à tarde e outros 11 à noite. Isso sem contar a rotina de consultas e tratamentos como fisioterapia.

Marcelo Novaes Ex-garoto de programa, portador de HIV lança livro em Goiás: 'Superei tudo' (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
Marcelo se emociona ao falar da falta de contato com a família (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

"Os jovens de hoje perderam o medo da Aids. Ninguém fica bem com a doença, você vive mal. Ela vai te deixando mais fraco e vulnerável. O vírus te mata todos os dias. Vai destruindo suas células, mas também sua vida social, afetiva e te deixando com depressão", enumera.

Marcelo já tentou voltar a trabalhar em cozinhas, mas não conseguiu devido a algumas complicações que ainda possui por conta da neurotoxoplasmose. Porém, o principal desgosto provocado pela doença foi o afastamento da família.

"Meus pais morreram e meu único irmão nem sei onde mora. Uma vez ou outra falei com um tio, um primo. A gente não tem mais contato. Eu me arrependo muito, sinto muita falta deles, falta do amor. Gostaria de conviver e frequentar a casa deles", lamenta, emocionado. /// G1.com