Vigília em frente à igreja lembra os 22 anos da Chacina da Candelária no Rio

Ato se repete desde 1994, quando a tragédia completou um ano. Vítimas de outros crimes são lembrados no ato.

Vigília em frente à igreja lembra os 22 anos da Chacina da Candelária no Rio Notícia do dia 23/07/2015

Dezenas de militantes e ativistas se reuniram na noite desta quarta-feira (22) no canteiro em frente à Igreja da Candelária, no Centro do Rio, para uma vigília que se repete há mais de duas décadas. O ato é para lembrar a morte de seis adolescentes e dois jovens no crime que ficou mundialmente conhecido como Chacina da Candelária, ocorrido há 22 anos.

A vigília é organizada desde de 1994 pelo Movimento Candelária Nunca Mais. “O grupo foi criado a partir da missa de sétimo dia dos meninos. Dom Eugênio Sales [então Arcebispo do Rio] fez um pedido durante a missa para que enquanto houvesse criança sendo morta pela violência que a gente não parasse de lembrar esta data. Aquilo entrou no nosso coração como um grito mesmo, e não nos calamos desde então”, conta Fátima Silva, de 50 anos, uma das fundadoras do grupo.

Participam da vigília, anualmente, parentes de diversos jovens vítimas de crimes violentos, que clamam por justiça. Cartazes com fotos de jovens mortos foram espalhados na calçada e gramado. Sobre a placa em que está inscrito o nome da igreja foi pendurado um terço, feito com bolas de isopor estampadas com os nomes de crianças e adolescentes mortos.

Entre os grupos ativistas estavam reunidos na Candelária nesta quarta-feira o Movimento Mães de Maio, criado em São Paulo para lutar contra a violência policial, as Mães de Acari, além de representantes de entidades que atuam em defesa dos direitos da criança e do adolescente.

Contra redução da maioridade

O principal grito na vigília deste ano foi contra a redução da maioridade penal. “Eu conheço o sistema. Eu estive com meu filho lá por mais de um ano. Eu pude ver que aquilo ali é uma prática de tortura, que não ressocializa ninguém”, afirmou Deize Carvalho, de 44 anos, que desde 2008, quando teve seu filho Andreu Luiz, de 17 anos, morto dentro de uma unidade do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), participa do ato na Candelária e em outros movimentos.

Deize deu um depoimento emocionado. Aos berros, ela destacou os vários motivos pelos quais é contrária à redução da maioridade penal. “Quem pede a redução da maioridade nunca teve de enterrar um filho que foi torturado pelo sistema”, repetiu por mais de uma vez.

Ela disse que desde a morte de Andreu passou a atuar como militante e hoje é estudante de direito com o objetivo de reunir mais força na sua luta. “Eu estou aqui não por causa do meu filho, mas porque eu não quero ver o estado matando mais filhos por aí”, afirmou.

‘Foi um grito necessário’
A jornalista Márcia Gatto, de 52 anos, atuava no Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua quando ocorreu a Chacina da Candelária. Hoje, ela coordenada a Rede Rio-Criança, que também tem como foco a defesa da população menor de idade que vive em situação de rua. Para ela, houve mudanças significativas nestes 22 anos da tragédia.

“A Chacina da Candelária foi um grito necessário para se desenvolver políticas públicas que, de fato, tivessem resultados concretos para essa população. Na época, começava-se a desenvolver trabalhos de promoção diferenciados com essa população que estava em situação de rua. Depois [da chacina] houve a necessidade de reformulação dos abrigos, o Ministério Público ficou mais presente, cobrando maior atuação do estado na defesa das crianças e adolescentes, e a sociedade civil e o estado se aproximaram mais”, disse.

Márcia pondera, no entanto, que o foco da luta hoje é outro. “Pelo menos de forma declarada, não existem mais grupos de extermínio. A configuração dos crimes mudou. As mortes [de crianças e adolescentes] acontecem mais nas comunidades. Mas, infelizmente, hoje a nossa luta maior é contra a política repressiva, abusiva, de encarceramento e punição destes jovens que vivem nas ruas”, destacou.

Chacina
Mais de 40 crianças dormiam na praça da igreja da Candelária quando, na madrugada de 23 de julho de 1993, cinco homens desceram de dois carros atirando. Duas crianças e um rapaz de 19 anos foram mortos no local. Dezenas conseguiram fugir. Perseguidas, mais duas crianças foram alcançadas e mortas. Outros dois corpos foram localizados no Aterro do Flamengo.

Três policiais militares foram julgados e condenados pelos oito homicídios. Dois deles foram condenados a mais de 200 anos de prisão. Todos foram soltos, beneficiados pela progressão de pena.//G1