Drauzio Varella lança ‘Prisioneiras’, o último livro de uma trilogia

Obra faz um retrato das mulheres encarceradas na Penitenciária Feminina da Capital, em São Paulo

Drauzio Varella lança ‘Prisioneiras’, o último livro de uma trilogia Drauzio Varella lança "Prisioneiras" - Marcos Alves / Agência O Globo Notícia do dia 15/05/2017

Depois de ‘Estação Carandiru’ e de ‘Carcereiros’, o médico lança ‘Prisioneiras’, um retrato das detentas na Penitenciária Feminina da Capital, em SP, e diz que situação das cadeias mostra falência do Estado. Quase 30 anos depois de iniciar um trabalho de atendimento aos presos da Casa de Detenção, em São Paulo, o médico oncologista Drauzio Varella, 74 anos, chega ao fim de uma trilogia com o livro “Prisioneiras”, lançado agora pela Companhia das Letras. Depois de “Estação Carandiru” (1999), que mostra as entranhas daquela que foi a maior prisão da América Latina, e de “Carcereiros” (2012), sobre os funcionários que trabalham no sistema prisional, Varella agora faz um retrato das detentas da Penitenciária Feminina da Capital, também na capital paulista, onde cumprem pena mais de duas mil mulheres. A seguir, ele comenta o cotidiano das mulheres encarceradas.

Primeiro, “Estação Carandiru” e, agora, “Prisioneiras”. De tudo o que o senhor viu nos presídios, quais são as diferenças mais marcantes entre os detentos e as detentas?

Tem algumas leis da prisão que são semelhantes. Por exemplo: em cadeia de homem ou de mulher, não se pode delatar o companheiro ou a companheira. Tem algumas leis básicas que são respeitadas. Hoje, o crime organizado (representado pela hegemonia da facção Primeiro Comando da Capital) impõe a lei de não agressão, tanto nas prisões masculinas quanto nas femininas. Não pode ter briga, não pode ter gritaria, não pode ofender. Entre os homens, a hierarquia é mais clara. Você obedece quem está no superior e exige obediência do subalterno. Isso é assim não só na cadeia, mas em todos os lugares. Entre as mulheres a hierarquia existe também, mas é mais frouxa. Acho que é porque as mulheres têm mais respeito à emoção. Para o homem, é considerada uma fraqueza. Mulher que se emociona e chora não é mais fraca que a outra. O homem que se emociona e chora é visto com estranhamento.
Por que não se veem nas cadeias femininas cenas como as dos massacres recentes nas penitenciárias de Amazonas, Roraima e Maranhão?

Esse grau de violência é sobretudo masculino. Você vê mortes (nas cadeias femininas), mas não vê mulher decapitada por outra, mulher esquartejada por outra. Nunca soube de nenhum caso.

E por que isso acontece?

As cadeias de São Paulo têm um sistema jurídico imposto pelo PCC. Então, parte da repressão vem do estado e tem o sistema que eles organizaram. Qualquer desentendimento é julgado em três instâncias. Esse sistema oferece uma certa segurança de que você não vai ser assassinado pelo vizinho. Com isso, conseguiram oferecer aos presos uma segurança que o estado não consegue. Você ouve falar de morte nas cadeias de SP? Fora do estado, onde existe disputa, sim. O PCC é uma hegemonia nas cadeias paulistas, são raras as que eles não dominam. Estão em mais de 90% delas — as cadeias femininas são 100% controladas pela facção. Eles impõem essa regra e elas seguem em paz.

O que o senhor acha disso?

É um absurdo a bandidagem conseguir dar segurança que o estado é incapaz de promover. Quando você prende alguém, esta pessoa fica legalmente sob tutela do Estado, que não está conseguindo exercê-la. Aí, vem o crime organizado e diz: “Deixa com a gente que nós resolvemos”. É a falência do Estado.

Como imagina que os presos da Lava-Jato se comportariam em uma cadeia comum?

Eu não tenho ideia, porque isso nunca aconteceu, até hoje. Não tem experiência prévia de mulheres desse nível indo parar numa prisão desse tipo, comum. No Brasil, tem essa coisa de que quem tem nível universitário fica em cadeias melhores. Qual a razão para existir uma lei como essa? Esse caso da mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Adriana Ancelmo, você não imagina a repercussão que teve na cadeia. As presas diziam: “Por que ela pode e eu não posso?” A ex-primeira-dama tem dois filhos, é rica, tem quem cuide dos filhos. É evidente e lógico que a presa comum vai dizer: “E eu, que tenho quatro filhos, que estão espalhados pela casa de parentes. Eu não tenho direito de reunir a minha família outra vez?”

“Estação Carandiru” e “Carcereiros” foram adaptados para outros meios. “Prisioneiras” já teve os direitos vendidos?

Tem várias pessoas interessadas, mas não leram o livro ainda. Mas não vou fazer isso. Deixa o livro caminhar. Quando começa com essa coisa, fica muito tumultuado. É filme, não sei o quê. Já passei essa experiência com “Estação Carandiru”. Não quero repetir isso agora.

Depois de quase 30 anos frequentando prisões como médico, qual a conclusão a que o senhor chega sobre o sistema? A cadeia tem poder de reeducar?

A prisão conserta algumas pessoas. Quem são elas? São aquelas que sofreram tanto na cadeia, e às vezes durante tanto tempo, que querem mudar de rumo. Não querem passar por aquilo de novo. É uma porcentagem muito pequena que consegue sair dessa maneira. Pequena por quê? Porque quando esse indivíduo volta para a rua a realidade é outra. Como se manter e se sustentar sem trabalho, sem preparo e, na grande maioria das vezes, sem oportunidade? Fazer uma mudança dessas é muito difícil nessas condições. E, com isso, eles acabam voltando para o mundo do crime. Tem outro grupo que encontra na religião um caminho. Se você solta o preso e não oferece nenhuma oportunidade, não há solução e não há saída.

“Prisioneiras” - EDITORA: Companhia das Letras. PÁGINAS: 296. PREÇO: R$ 39,90.

O GLOBO