“A classe política ficou viciada”, Amazonino Mendes

Amazonino quebra o silêncio e dispara contra adversários em entrevista exclusiva ao A CRÍTICA. Ex-prefeito de Manaus analisou o cenário político local, o resultado das eleições 2014 e criticou antigos aliados e figuras conhecidas da política amazonense  

“A classe política ficou viciada”, Amazonino Mendes Negão chega aos 75 anos e não vai deixar a política Notícia do dia 20/01/2015

Após se isolar e evitar falar com a imprensa por quase dois anos, o ex-prefeito de Manaus e três vezes governador, Amazonino Mendes (PDT), aceitou receber a reportagem do jornal  A CRÍTICA em sua residência, em um condomínio na zona Oeste de Manaus. De forma despojada e bem humorado, Amazonino conversou por duas horas com a equipe do jornal. Mesmo quando fez ressalvas de não falar sobre uma ou outra personagem, acabou expressando o que pensa de figuras como o prefeito Arthur Neto (PSDB), o senador eleito Omar Aziz (PSD) e o ministro Eduardo Braga (PMDB). O político de 75 anos analisou o cenário político, o resultado das eleições de 2014 e elencou desafios do governador reeleito José Melo (Pros), entre eles, o de “redisciplinar a classe política”. Amazonino também comentou sobre seus hobbies, como a leitura e o jogo de dominó. A seguir, trechos da entrevista.

O senhor desistiu da política?

Não. Eu não vou deixar de ser político nunca. O que eu não quero mais é ser candidato. Esgotou o meu momento. Mas não posso deixar de participar do movimento político. Agora mesmo estou fazendo uma análise, não com interesses eleitoreiros, onde eu possa me promover eventualmente, mas quero me juntar a tantas outras opiniões com o propósito do bem comum. Isso significa que politicamente continuo ativo, recebo muita gente na minha casa. Me sinto bem.

Quem que lhe visita?

Políticos de modo geral me visitam. Não é a grande maioria, mas um percentual razoável. Você sai do poder, você vai para o isolamento. Você vai reclamar? Não. É assim. Paralelo a isso eu te digo: Quantos políticos eu fiz? Quantos governadores eu criei? E senadores? Quantas pessoas eu beneficiei? Aí eu teria que dizer que essa turma toda deveria estar aqui me agradecendo, mas eu não estou nem aí porque, no fundo, quando eu os ajudei, não foi para mim, foi para a população. Com o Braga (senador e ministro de Minas e Energia, do PMDB-AM) eu tenho falado bastante.

Como foi a sua participação na eleição 2014?

Atuei trocando ideias e formulando ações e atividades políticas. Foi um processo participativo sem estar no palco.

 O candidato que o senhor apoiou, Eduardo Braga, foi derrotado. Como o senhor viu esse resultado? 

Cada eleição é uma eleição. E essa disputa revelou muito essa situação. Sem nenhum demérito ao José Melo, que está na administração pública há muitos anos, portanto conhece ou ao menos é familiarizado sobre como funciona, mas eu entendia que quem tinha mais competência e capacidade desenvolvimentista era o Eduardo (Braga), e volto a dizer. Era lícito imaginar que o candidato melhor preparado para desenvolver o Estado fosse o Braga. Por quê? Porque ele foi governador duas vezes, senador da República e líder do Governo no Senado. E eu não tinha por que apoiar o Eduardo, pois ele foi muito deselegante comigo, passou os anos de governo dele me perseguindo. Porém, a minha posição na campanha foi rigorosamente - certa ou errada - em prol da população.

O Estado continua dependente da Zona Franca e o povo continua pobre. Como o senhor analisa isso?

A ZFM é uma facultação do povo brasileiro. É um decreto excepcional que nos dá isso. Nós já vamos nos aproximando dos 50 anos de ZFM e fomos incapazes de criarmos outras atividades econômicas. Até hoje quase que 100% da nossa atividade econômica é a Zona Franca. Sempre bati nessa tecla. Criei até, por exemplo, o terceiro ciclo. Acho que está faltando gente com visão e vontade de fazer e criar. Hoje, isso é impostergável.  Eu supunha que o Eduardo (Braga), não é que ele fosse o ideal, mas diante do que nos era oferecido, era o que estaria melhor preparado, principalmente depois de um governo desastroso como foi o do Omar (Aziz-PSD).

Qual sua avaliação do governo Omar? 

O Omar (Aziz) administrou R$ 60 bilhões. No meu último governo eu administrei no máximo R$ 10 bilhões e eu fiz 40 hospitais modernos no interior do estado, fiz todos os hospitais novos que tem em Manaus, com exceção de um que o Eduardo (Braga) fez lá na Zona Leste, mais um pronto-socorro, e concluiu a reforma do FCecom. O resto foi tudo eu que fiz. Os hospitais infantis, os pronto-socorros, hospital Adriano Jorge, maternidades - ele (Eduardo Braga) só fez inaugurar. E você não identifica nesses anos do Omar nada. Qual foi o aumento da saúde? Zero. Qual foi o aumento na educação? Zero. Qual foi o aumento na segurança pública? Zero. Tudo zero. E isso administrando R$ 60 bilhões. Isso me assusta.

Como o senhor avalia a classe política do Amazonas?

A classe política reflete o povo, tanto é que é comum aquela expressão: ‘O povo tem o governo que merece’. Vem a eleição e o deputado, para se eleger, vai procurar o sol, assim como fazem os girassóis, que é uma expressão que eu uso: O girassol procura o sol. Aí o deputado se alia para pegar as benesses do governo e se eleger. No nosso caso, temos muitos exemplos, como o filho do (prefeito) Artur Neto - PSDB (Arthur Bisneto-PSDB), que, ao que eu saiba, não tem vocação nenhuma para a política, mas à mercê das vontades e interesses do pai teve 250 mil votos (para deputado federal). Isso é estarrecedor. O processo político está completamente errado. Manda ele ter 250 mil votos na oposição, se ele não tivesse a máquina.

Como avalia a gestão do prefeito Artur Neto? 

Não sou a pessoa certa para falar sobre o assunto. Só posso dizer que entreguei uma prefeitura completamente diferente da que eu recebi. Tanto que quando ele (Artur Neto) assumiu começou a fazer obra em tudo quanto é lugar. Deixei projetos, como o Leite do Meu Filho. E, antes dele assumir, já começou a dizer que estava pegando a Prefeitura com um rombo, e nunca a Prefeitura explicou que rombo era esse. E foi-se descoberto que não existia rombo nenhum, e que na verdade deixei um saldo de R$ 49 milhões só de receita comum, sem contar verba vinculada. Ele não foi correto comigo, pois não falou a verdade.

O senhor falou que não pretende mais se candidatar, mas para as eleições de 2016 o senhor já tem candidato para a Prefeitura?

Não. Não me abalanço mais para apontar candidatos, nem ser chefe político. Nem quero ser. Eu sou apenas mais um no meio da multidão.

 O deputado Marcelo Ramos, hoje filiado ao PSB, vai migrar para o PDT?

 Eu não entraria nesses detalhes, pois não sou o presidente do partido, então, não cabe a mim. Na verdade, nunca quis ser presidente de partido e eu não dou muita moral para partido porque é tudo igual. É tudo farinha do mesmo saco. Mas prefiro não tecer comentários sobre isso por uma questão de disciplina partidária. Eu acho normal (a aproximação dele).

 Qual avaliação que o senhor faz do Marcelo Ramos na eleição para o governo?

 O Marcelo é um político como tantos outros que estão aí, como o Hissa (Abrahão), o Henrique Oliveira. São políticos novos que estão aí e é bom que eles existam. É salutar que surjam novas lideranças. É legítimo. É a chamada renovação.

 Quais serão os principais desafios do governador José Melo?

Em primeiro lugar, é melhorar os serviços públicos e essa é a parte mais difícil da administração. Melhorando a oferta de saúde pública, organizando a educação, organizando a lisura no processo de compras, a segurança pública que é uma ciência difícil, são caminhos e desafios. Fora isso, ele tem que redisciplinar a classe política. Ou seja, o excesso de favores que a classe política requer. A classe política ficou viciada. Ele precisa de muita ajuda e é bom para nós que ele faça um bom governo. Mas ele tem tudo isso contra ele, pois foi eleito por essa estrutura. Ele será um herói que merecerá o respeito de todos nós se mudar esse comportamento entre a classe. 

Como avalia o governo de Dilma Rousseff (PT)?

A Dilma está correndo da sala para a cozinha. Se ela é boa ou se ela é ruim, se ela é competente ou não, isso não me cabe dizer, o fato é que ela é escrava de uma situação realmente preocupante. O negócio é tão grave que esses líderes políticos fazendo esse comportamento de pressão por feudos são aqueles que eventualmente podem estar envolvidos na operação Lava Jato. E ela como presidente reeleita da República não pode tomar uma decisão. É muito sério isso.

Braga dará conta do Ministério de Minas e Energia (MME)?

Nada impede dele ser um bom ministro. Ele tem experiência, qualificação profissional e só dependerá da vontade dele. É claro que ele está sujeito à situação tumultuada que vive o Brasil, onde todo mundo diz que vem aí uma operação Lava Jato do setor elétrico e que ele terá que atravessar. Não é uma tarefa fácil, mas ele tem capacidade, sim.

O que dizer dessas três décadas de vida pública?

Essa sempre foi a minha vocação. No governo, não aumentei patrimônio nenhum. Diziam no governo que até dono do Encontro das Águas eu era, dono de tudo, dono de castelo, tudo mentira. Modéstia à parte, eu acho que fiz um bom trabalho. Olho para trás com orgulho. Me sinto muito bem. Sou consciente das coisas que fiz. 

Nessas três décadas de vida pública, o senhor se afastou da sua família?

Político é um troço horroroso, tenebroso. A pior coisa que existe para um político de tempo integral, como eu fui, é ficar devendo atenção para a família. Não tem jeito. A política escraviza e o político não tem o direito de fazer o que quer, pois ele é demandado o tempo todo. Então fica muito difícil ter um momento com a família. Claro, tinha um momento ou outro, mas eu não consegui acompanhar, por exemplo, o desenvolvimento dos meus filhos.

Como é a sua rotina? 

Tenho lido muito e tenho procurado crescer economicamente no setor privado. Estou trabalhando muito no setor privado (com navegação) em busca do tempo perdido. E estou dando consultoria empresarial e jurídica. E ando lendo bastante. Fiz uma reprogramação de ler os clássicos. Gosto também de ouvir música. À noite, pessoas do povo vem para cá comigo jogar dominó, mas são pessoas muito simples, e isso me diverte. Me sinto muito melhor com eles do que com os engravatados.

 

Tem viajado?

Tenho ido muito a São Paulo para cuidar dos negócios e a minha esposa também está em São Paulo há mais de um ano para tratamento (teve um AVC). Viajo também para pescar.

Agora, não. Agora estou programando uma viagem para a Europa. Eu gosto do frio e vou em fevereiro que é baixa temporada, onde tudo está mais barato. E eu gosto do frio. Sou caboclo daqui, mas metido a besta. Gosto do frio (risos).

 

Quem mora com o senhor nesta casa? 

Eu e os empregados. Os meus filhos moram em Manaus, mas cada um na própria casa.

 

Como está a sua saúde?

Está ótima, não posso me queixar, não. Estou bem. Ainda aguentaria umas duas campanhas eleitorais. Mas não quero.

 

Entrevista extraída do site Portal Acrítica de Manaus 17/01: reportagem de Janaína Andrade; Charge de Jak do Portal do Holanda.