Fala Amazonense e Preconceito linguístico

Fala Amazonense e Preconceito linguístico Foto: Reprodução Instagram Notícia do dia 16/01/2024

Temos que nos orgulhar da nossa identidade linguística. A variação linguística regional falada pelo povo do Norte, especificamente no Amazonas foi construída a partir do contato linguístico com a línguas indígenas da região. Tanto a língua portuguesa sofreu e sofre influência das línguas indígenas quanto as línguas indígenas receberam e ainda recebem a interferência do português. Palavras como cunhantã, curumim, pitiú, tuíra dentre outras são exemplos da rica contribuição de origem indígena ao léxico do português falado pelos amazonenses. A língua frente ao contato linguístico sofre mudanças, pois é viva: “A língua que falamos, não importando a sociedade a que pertencemos, a época, e o lugar, será sempre heterogênea, diversificada, a instável, sujeita a transformações. Seria estranho se nossa língua permanecesse estável” (Bagno, 2007, p. 37). A fala amazonense, portanto, guarda, nas suas estruturas fonética, fonológica, morfológica, semântica e lexical, por exemplo, marcas deste contato linguístico. Esta fala marca a identidade amazonense, por isso devemos nos orgulhar dela.

 

Tal riqueza, no entanto, é vista por parte dos brasileiros com preconceito, ou seja, fazem um juízo de valor negativo sobre aquele que fala o dialeto também chamado amazonês (FREIRE,2020), chegando a terem atitudes de deboche, risos e, até mesmo, chegam a pensar que aquele que fala aquela variante é menos inteligente de quem fala outra variante prestigiada pela sociedade. O que é um equívoco, pois uma variante é um modo de usar a língua dentre vários outros, não significa que é errado ou uma forma inferior do uso da língua, simplesmente é um uso diferente: “A classificação meramente convencional do que é certo e er¬rado na língua serve para classificar os indivíduos como competentes ou incapazes, e é assim que se plasma o preconceito linguístico” (LUCCHESSI, 2016, p.19).Todos as variantes faladas no Brasil permitem a comunicação e são iguais, não existem uma superior a outra, o que leva as pessoas a considerarem uma melhor que a outra é a associação que fazem entre a situação social do falante e a variante que fala, ou seja, há um estereótipo de que as pessoas do Norte são selvagens, vivem no mato, não tem acesso às tecnologias etc. Logo, a fala amazonense carrega consigo também está representação equivocada e estereótipos sobre seu povo. Estas atitudes negativas em relação à fala do amazonense se configuram com preconceito linguístico.

 

Este pensamento não se sustenta, porque cada língua representa a identidade de um povo, elas registram como cada povo ver e se relaciona com o mundo: “Os seres humanos adotam relacionamentos diferentes com seu meio em razão de sua sensibilidade, ou de seus respectivos modos de ver e perceber as coisas. Seu pensamento e linguagem os orientam em direção ao mundo em que vivem, e não de acordo com normas cognitivas a priori. [...] E as variações linguísticas, portanto, também são um reflexo das diferenças nas coisas que os seres humanos percebem” (RICKEN 1994, p. 118). Por isso, devemos nos orgulhar da forma como falamos o português, porque as expressões como olha já, purrudo, pávulo dentre outras são únicas e traduzem o jeito amazonense de se relacionar com as pessoas e com tudo que lhe cerca. Não se pode traduzir com a mesma exatidão os sentimentos nestas palavras registrados para outras expressões de outro dialeto. Elas são únicas e fazem parte da identidade do povo do Amazonas. Por isso, devemos respeitar cada modo de falar o português e, principalmente, nos orgulhar do nosso jeito amazônico de ser, viver e falar.

 

Hellen Cristina Picanço Simas

Linguística e professora da Universidade Federal do Amazonas