Criador do topete de Pelé há 60 anos lembra história com Rei: "Virou cliente e não saiu mais"

João Araújo, conhecido como Didi, atendeu Pelé desde que ele chegou em Santos, em agosto de 1956

Criador do topete de Pelé há 60 anos lembra história com Rei: Didi atendeu Pelé por mais de 60 anos — Foto: Vanessa Ortiz Notícia do dia 02/01/2023

Por Vanessa Ortiz - Terra 

 

A barbearia de João Araújo, conhecido como Didi, há poucos metros do Estádio Urbano Caldeira, amanheceu cheia. Todos queriam conhecer e ver quem era o famoso cabeleireiro de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Abatido, ele recebeu a todos com muita simpatia e, mesmo rodeado de repórteres, conciliava os atendimentos de fãs do Rei do Futebol. 

 

O Rei do Futebol morreu na tarde da quinta-feira, 29, de falência múltipla de órgãos em decorrência de um câncer de cólon, após ficar internado por um mês. O velório será nesta segunda-feira, 2, na Vila, e o enterro será um dia depois, na terça-feira, 3, às 10h, no Memorial Necrópole Ecumênica.

 

Ao Terra, ele contou que foi o criador do topete do ex-jogador, há mais de 60 anos. Ainda jovem, com apenas 17 anos, Pelé chegava a Santos, no litoral de São Paulo, para jogar no time que leva o mesmo nome da cidade. A partir daquele 8 de agosto de 1956, o clube não seria mais o mesmo. Aliás, o mundo do futebol não seria mais o mesmo. 

 

Didi continua a atender no mesmo espaço, na Vila Belmiro, em Santos
Foto: Vanessa Ortiz

 

Didi lembra bem o dia em que o Rei chegou à cidade. “A primeira vez que eu o vi, Waldemar de Brito já era meu freguês. O Waldemar foi buscar ele em Bauru para vir para cá, no Santos. Quando eles vieram, onde ele passou primeiro foi aqui. Passou aqui, bateu um papo com a gente, conheceu nós e o salão”, conta. 

 

Waldemar de Brito ficou conhecido como descobridor do Pelé. Em 1954, ele estava à frente do Bauru Atlético Clube e se impressionou com a capacidade do então menino correndo atrás da bola. Por isso, trouxe o jogador ao Santos, onde ele se consagrou. Foi a partir daí, que a história do futebol, como conhecemos hoje, mudou. A história mudou também para o João Araújo, que passou a ter o maior ídolo que o esporte já conheceu como cliente e amigo. 

 

Cortes para a vida toda

Didi foi o criador do topete que o Rei do Futebol usava, uma das marcas registradas dele. O cabeleireiro relembra que Pelé não conseguiu cortar o cabelo quando chegou na cidade litorânea, mas, dias depois, voltou ao estabelecimento, que se mantém no mesmo espaço da Vila Belmiro. 

 

O estabelecimento, simples e bem pequeno, é cheio de referências ao ex-jogador e ao time do coração, o Santos. Dentro, além das fotos com Pelé, pôsteres e até recortes de matérias de jornais antigos que falem do clube ou ídolo, há uma cadeira para atendimento, e outros dois ou três bancos para os clientes aguardarem. 

 

Foi ali, que Pelé cortou seu cabelo pela primeira vez com Didi. “Um dia ele foi cortar o cabelo e falou: ‘ó Di, eu queria que você fizesse um topete, porque ninguém nunca fez para mim’. Falei que ia tentar. ‘Vou trabalhar nesse topete para saber o que você quer’. Mas eu, como sou bom na tesoura, consegui perfilar o topete do jeito que ele gostaria”, conta sorrindo, enquanto fecha o salão, que tem uma placa escrito: “Cabeleireiro do Pelé, e de você também”. 

 

Relação com Pelé

A partir daquele dia, Didi se tornou o cabeleireiro oficial do Rei. “Ele virou cliente e não saiu mais. Foi cliente até um dia desses”, diz com tristeza. Inclusive, desde que Pelé perdeu a mobilidade, Didi ia atendê-lo. “Eu ia até o Guarujá [onde Pelé residia com a esposa, Márcia Aoki], ou até em São Paulo. Era assim”. 

 

A relação dos dois era bem próxima. Inclusive, quando soube da morte do amigo, precisou fechar o estabelecimento, devido a tristeza da notícia. “Nós éramos muito amigos. Foi boa a minha relação com ele, gostava muito do meu amigo, e ele gostava muito de mim”, diz rindo, enquanto uma amiga dele se aproxima, e conta que vai guardar a camisa 10, do Santos, que Pelé autografou especialmente para Didi.

 

Didi exibe a camisa 10, usada por Pelé no Santos
Foto: Vanessa Ortiz

 

O profissional, que tem 84 anos, conta que atendeu seu cliente mais fiel há menos de um ano, quando o ex-jogador já estava tratando o câncer de cólon, que descobriu em setembro de 2021. Ele relembra ainda o último atendimento: "Conversamos um pouco, ele cortou o cabelo e eu vim embora. Desse dia para cá, nunca mais nos vimos”. 

 

Para o idoso, Pelé era como um pai, apesar da idade muito próxima dos dois. O cabeleireiro fala do amigo no presente, como se ele ainda estivesse entre nós, pois assim como para o mundo, Pelé é eterno. 

 

“Ele é uma pessoa muito boa, e nesse tempo todo que nós estivemos juntos, não tenho nada a dizer do Pelé, só elogiar. Ele é um grande homem. Levou o futebol para o mundo todo. Não foi só o Brasil que perdeu, não. Foi uma perda mundial. Igual a esse não vai ter mais, esse veio para ficar na história mesmo”, finaliza.