ESPECIAL: Combate à discriminação

O aumento do número de casos de homofobia trouxe como consequência o maior número de assassinatos envolvendo essa população. As estatísticas oficiais de homicídios de homossexuais no país são recentes. O Grupo Gay da Bahia realiza esse trabalho há anos a

ESPECIAL: Combate à discriminação Notícia do dia 22/03/2015

O preconceito, no Brasil, é crime. O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Entretanto, diariamente os noticiários relatam a submissão de homossexuais, negros, índios e outras minorias a práticas discriminatórias.

A população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) é uma das mais afetadas. Dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República revelam que a cada 60 minutos um gay sofre violência no Brasil. Além disso, os registros de homofobia saltaram de 1.159 em 2011 para 6,5 mil neste ano.

De acordo com a coordenadora da área LGBT, Samanda Freitas, o crescimento do número de denúncias de prática de homofobia recebidas é um fator positivo. No entanto, essas demandas precisam ser devidamente apuradas. “Precisamos melhorar o atendimento desses casos, e isso passa por um treinamento dos policiais para que identifiquem os crimes de ódio LGBT e investiguem com o mesmo cuidado que as demais ocorrências”.

O aumento do número de casos de homofobia trouxe como consequência o maior número de assassinatos envolvendo essa população. As estatísticas oficiais de homicídios de homossexuais no país são recentes. O Grupo Gay da Bahia realiza esse trabalho há anos a partir de notícias divulgadas pela mídia. Somente em 2014 já foram registrados 257 casos. Nos últimos 12 anos, o crescimento supera 180%.

Além da violência física, essa população ainda enfrenta outras barreiras que dificultam o reconhecimento de seus direitos. A bancada evangélica no Congresso Nacional, por exemplo, discorda do casamento entre pessoas do mesmo sexo - direito assegurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na Câmara dos Deputados tramita o PL 6.583/2013, de autoria do deputado federal Ronaldo Fonseca (PROS/DF), que estabelece a família como “o núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, por meio de casamento, união estável ou comunidade formada pelos pais e seus descendentes”.

O profissional autônomo Romeu Maurício é casado com outro homem. Alega ter lutado muito para ter esse direito assegurado e sabe bem o que é ser vítima de discriminação. Ele, que hoje é profissional liberal, conta que a “informalidade” não foi uma escolha, mas, praticamente, uma imposição da sociedade. “Eu percebi que o fato de eu ser homossexual impedia meu crescimento profissional. Mesmo dando o melhor de mim no trabalho, jamais surgia uma oportunidade de promoção; enquanto que para os outros colegas heterossexuais as chances sempre apareciam”.

Romeu Maurício também foi impedido de trabalhar por causa do preconceito. “Lembro-me bem de uma situação que me chateou bastante. Fui participar de um processo seletivo para ser gerente de uma padaria. Eu era o único candidato. Tenho certeza de que apresentava todas as condições para exercer o cargo, mesmo assim fui excluído simplesmente por ser gay”. Segundo ele, a partir daí surgiu a ideia de virar autônomo.

“Virar profissional autônomo, para mim, foi decisivo. Eu já vivia uma situação em que não aguentava mais as piadinhas e coisas do tipo. Por essa razão, comecei a buscar alternativas de trabalho. Hoje, eu e meu marido nos dedicamos a outras atividades”, explica.

Processo

Entretanto, não é somente na iniciativa privada que isso ocorre. Imagine a seguinte situação: um cidadão resolve prestar concurso público para o cargo de policial federal. Dedica-se integralmente a horas diárias de estudo almejando a tão sonhada vaga. No dia do certame, acorda cedo e se dirige para o local da prova. Presta o concurso e é aprovado. Porém, depois de toda essa dedicação, acaba eliminado por sua “suposta homossexualidade”.

Inacreditável? Não. A situação retrata um fato real analisado pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Um candidato ingressou com ação na Justiça Federal contra sua exclusão do concurso público, promovido pelo Departamento de Polícia Federal (DPF), para provimento do cargo de Agente de Polícia Federal, para o qual foi aprovado. Nos autos do processo, o autor descreveu ter sido admitido no XXIV Curso de Formação Profissional, do qual fora excluído, arbitrariamente, faltando apenas uma semana para sua conclusão, por apresentar comportamento supostamente incompatível com o exercício da função estatal.

Na ação, ele requereu o direito de concluir o curso de formação assim como o direito à nomeação para o cargo de Agente da Polícia Federal após sua conclusão. Além disso, o requerente buscou a condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais e materiais acrescidos das vantagens, gratificações e promoções “pelos reflexos danosos resultantes do constrangimento ilegal que suportou, revelado pela arbitrária, injusta e infundada taxação, por parte dos agentes da promovida, como homossexual perante toda a comunidade de onde se origina”.

Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente. O Juízo da 22.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal condenou a União ao pagamento de indenização, pelos danos patrimoniais sofridos, no montante correspondente ao somatório das parcelas referentes à remuneração que o autor deixou de receber entre a data que deveria ter ocorrido sua posse (21/11/1996) e o dia em que a posse efetivamente aconteceu (22/11/2006). O Juízo também determinou a retificação da data de nomeação e posse do candidato bem como seu reenquadramento funcional; negou, contudo, o pedido de pagamento de indenização a título de danos morais.

Candidato e União recorreram ao TRF1 contra a sentença. A parte autora insistiu na concessão integral do pedido feito em primeira instância, destacando que a ocorrência de dano moral se revela pela lesão ao patrimônio não material, tais como ofensa à honra, às crenças internas, à liberdade, à paz interior de cada um e aos sentimentos afetivos de qualquer espécie. Ponderou que “o pleito indenizatório não tem por suporte apenas o desligamento do curso de formação em si, que lhe causou profunda comoção, mas também os motivos de que se utilizou a Administração para a prática de tal ato, classificando-o como homossexual, com comportamento incompatível para o exercício da função policial”.

A União, por sua vez, argumentou que, na espécie, afigura-se manifestamente incabível o pedido indenizatório a título de danos materiais, tendo em vista que a percepção da pretendida retribuição pecuniária estaria atrelada ao efetivo exercício do cargo. Postulou também, o ente público, a redução do valor fixado a título indenizatório, sob o fundamento de que “o montante arbitrado pelo juízo monocrático seria extremamente excessivo”.

Decisão

Os desembargadores que compõem a 5.ª Turma rejeitaram as alegações trazidas pela União e aceitaram integralmente as do candidato. “Na hipótese em comento, o dano moral revelou-se pela arbitrária, injusta e infundada classificação do autor como se homossexual fosse, lançando e mantendo dúvidas sobre a sua conduta, invadindo-lhe a intimidade, ferindo-lhe em sua honra e abalando a sua imagem junto ao meio social em que convive em manifesta afronta ao direito à vida privada”, constou na decisão.

Ademais, "a Administração Pública Federal, por meio de seu Departamento de Polícia Federal, exigiu deste candidato por longos anos a produção de uma prova diabólica, vale dizer, teria ele que provar perante a Administração que não era homossexual, numa malsinada inversão do ônus da prova. Mesmo que homossexual fosse, não poderia ser excluído do serviço público por essa odiosa discriminação em razão de opção sexual, como assim abomina a Constituição da República Federativa do Brasil", destacou o relator, desembargador federal Souza Prudente.

Ainda segundo o Colegiado, “tal discriminação preconceituosa afronta os princípios norteadores da Carta Magna, pois a República Federativa do Brasil tem como objetivos fundamentais, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Nesse sentido, comprovada a ocorrência do dano moral, por ofensa à honra e à imagem do autor, e estando caracterizado o nexo de causalidade, “impõe-se à União Federal o dever de indenizar o dano causado, no contexto normativo da responsabilidade civil objetiva do Estado”, ressaltou a Corte.

Dessa forma, fundamentaram os membros do Colegiado que “a fixação do valor da indenização por dano moral deve pautar-se segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso concreto, de forma que a quantia da reparação não pode ser ínfima, para não representar uma ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessiva, para não constituir enriquecimento sem causa do ofendido, afigurando-se adequada a quantia de R$ 100 mil”.

O diretor da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABGLT), Evaldo Amorim, comemorou a decisão do TRF1. “Essa decisão é exemplar principalmente porque intimida qualquer outra tentativa de exclusão de um profissional da sua carreira por puro preconceito. O Poder Judiciário é um dos maiores aliados na construção de uma sociedade mais justa. São muitas as decisões proferidas pela Justiça em benefício da população LGBT. A Justiça está de parabéns. É um absurdo que uma pessoa que estudou, dedicou-se, logrou êxito em concurso, seja excluída de uma maneira tão sórdida como essa em razão de sua orientação sexual”./// Assessoria de Comunicação Social Tribunal Regional Federal da 1ª Região