'A ciência brasileira não é inclusiva', diz a primeira mulher eleita para presidir a Academia Brasileira de Ciências

Para Helena Nader, a misoginia continua sendo um problema central de pesquisa no país, e a pandemia só agravou a situação

'A ciência brasileira não é inclusiva', diz a primeira mulher eleita para presidir a Academia Brasileira de Ciências Biomédica Helena Nader, eleita presidente da Academia Brasileira de Ciências Foto: ABC/Divulgação Notícia do dia 30/03/2022

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) foi eleita pela primeira vez por uma mulher como presidente, após 105 anos de existência. A biomédica paulista Helena Nader, 74 anos, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vai comandar a entidade pelos próximos três anos a partir de maio, após ser escolhida para chefiar a chapa única eleita.

 

Assumindo o cargo em um momento delicado da ciência brasileira, de crônica falta de palavras para o setor, Nader afirma que o problema dá falta de ânimo aos jovens pesquisadores e é ainda pior no caso das mulheres.

 

“Durante a pandemia, a produção científica masculina aumentou, mais de duas mulheres caíram. Com todo mundo dentro de casa, as mulheres assumiram mais responsabilidades”, diz a cientista, que promete colocar a ABC para lutar por uma ciência mais justa para as mulheres e para as minorias raciais. Em entrevista ao GLOBO, Nader menciona essa e outras preocupações atuais.

 

como a sra. Recebeu o aviso de sua eleição hoje?

Acabei de sair de uma aula de pós-graduação agora, onde recebi muitos parabenos. Fica claro que esses parabéns tem compartilhado. Não venho de uma família rica. Eu sou de uma família de classe média. Eu e minha irmã formam a primeira geração de universidades familiares. Meu país são imigrantes. Estudei em escola pública e universidade pública, e o Dante [Colégio Dante Alighieri] não era colegiado. Tenho família, tenho professores e tenho alunos que me ajudam. Isso não é um privilégio? Eu tenho que compartilhar essa alegria. Já imagineu chegarmos a uma época em que não precisamos mais commorar do que uma mulher chegou lá?

 

para a sra. Sou a primeira mulher a presidir a ABC. Ou o que a academia pode fazer para combater o problema da desigualdade de gênero na ciência no Brasil?

A ABC estava muito envolvida com a igualdade de gênero. Este ano, mais mulheres do que homens entrarão na academia, devido à meritocracia.

A ABC estava muito envolvida com a igualdade de gênero. Este ano, mais mulheres do que homens entrarão na academia, devido à meritocracia. Temos uma atitude do nosso atual presidente, Luiz Davidovich, de promover isso. Uma mulher está principalmente na universidade. Por que ela não verifica nossos postos mais altos? Em 105 anos, por que a Academia não teve presidentes mulheres antes? Ou problema não é só o Brasil. Na Academia Nacional de Ciências dos EUA (NAS), a primeira presidente mulher só foi eleita agora, Marcia McNutt. Algumas academias nacionais até hoje não tiveram mulheres na presidente.

 

Nós, mulheres, temos que lutar para promover a igualdade em todas as áreas. Os dados sobre a produção científica durante a pandemia mostrarão que, no Brasil e no resto do mundo, a produção masculina aumentou, mas a feminina caiu. Com todos dentro de casa, uma mulher assumiu mais responsabilidades, de novo. É claro que mulheres e homens são diferentes, mas o cuidado não é uma obrigação só da mulher. Deve ser uma obrigação de casal.

 

A ciência brasileira ainda não é inclusiva, infelizmente. A população brasileira é miscigenada e temos um componente negro muito grande, mas temos pouquíssimos negros na ciência. Temos um longo caminho a percorrer, não só pela inclusão das mulheres, mas pela inclusão da sociedade.

 

Há uma expectativa de que a Sra. Você pode ajudar agora a combater este problema?

Com certeza há uma expectativa de que ela seja a primeira mulher, mais como um prato que foi eleita agora temp pessoas de todo o Brasil. Temos representação regional e temos diversidade de gênero e especialidades. Estamos todos muito unidos para buscar a educação e a ciência como política de Estado para o Brasil com respeito aos direitos humanos.

 

para a sra. Você vai enfrentar episódios de machismo ou misoginia em sua carreira?

Na época que eu frequentava a faculdade, não um curso de biomedicina da Escola Paulista de Medicina [atual Unifesp], a maioria dos alunos era do sexo masculino. As mulheres estavam em menor proporção na vida universitária em geral. E era mais complicado, sim, uma mulher poder mostrar que era capaz.

 

Eu tenho professora, não vou contar o que era, que nas feiras dava descanso para os meninos e tarefas [de reforço] para as meninas. Como mulheres, não fomos esquecidas como aquelas que podiam dar uma certeza. Eu passei por outras coisas, também, mas sempertive a miito apoio, o que fez muita diferença.

 

Muita vontade de apoio veio do meu companheiro [ou cientista Carl Peter von Dietrich], que morreu há 15 anos. Ele tem sido meu guia, e anos depois as pessoas acabaram namorando juntos. As pessoas trabalhavam na mesma área, e ele mesmo me disse: "Muitas pessoas não imaginam do que você é capaz porque as pessoas estão em primeiro lugar para mim".

 

Ele mesmo era um grande cientista, mas lhe respondeu: "Não estou nem um pouco preocupado com essas pessoas, porque elas me veem".

 

Estou certo de que tive pessoas que pensaram: "O que vai acontecer com ele agora que ele morreu?" Ainda há muito disso, infelizmente.

 

para a sra. Foi presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Ou o que muda agora com sua eleição para a ABC, que é um grupo mais restrito de cientistas?

ABC e SBPC são complementares. A SBPC é uma oportunidade única de convivência com diversas áreas do conhecimento, congressos e tudo o que ela promove. Um ABC é mais voltado para um grupo menor. A ideia é que os integrantes da ABC tenham habilidades peculiares e sejam líderes de suas áreas específicas de conhecimento, mas não querem dizer que os cientistas fora da ABC não parecem bons.

 

O Brasil precisa de duas entidades e elas sempre trabalham juntas. Trabalhamos juntos para discutir o novo código florestal, a lei de acesso à biodiversidade, o marco legal da ciência e tecnologia e em várias outras ocasiões.

 

como a sra. ver a situação de dois jovens cientistas hoje?

 

Preocupo-me agora que a pós-graduação em ciências não mereça a demanda que teve alguns anos atrás. Ele acredita que a explicação para isso é o valor que pagou em um saco de pos, que está há oito anos sem correção. Ninguém sobrevive apenas como bolsa de valores na capital brasileira. Caiu muito para buscar a carreira científica, em todos os cantos do país. Estamos parando de treinar novas pessoas e vamos sentir o efeito daqui a cinco ou seis anos.

 

Você está conversando com os candidatos presidenciais para ajudar a desfazer a política científica do próximo governo?

Temos grupos de trabalho em diferentes áreas do conhecimento fazendo isso. Depois discutiremos com a SBPC para talvez chegar a um documento conjunto, não só para os presidentes, mas também para os candidatos a governador, deputado e senador. Quando há cortes na ciência, às vezes é o Congresso que não libera, outras vezes é o Executivo.

 

No caso atual, nos últimos três anos, vemos que o Ministério da Economia não tem focado tão importante na ciência e na educação. Vá para a sociedade entender o valor da ciência, mas não tudo. Estou 30% ainda que não queria tomar a vacina. Por que negar ou adiantar o remédio nos dias de hoje? Por que promover medicamentos para os quais não há evidências de que funcionem?

 

Uma coisa que vejo muito preocupante no Brasil é que o Brasil não tem uma política de estado para a ciência, com visão de longo prazo. Nos Estados Unidos, a política estatal funciona.

 

Sua área de pesquisa, a biomedicina, ganhou os holofotes como pandemia. para a sra. Você aprecia que ela atendeu às suas expectativas?

A área biomédica no Brasil, que começou há 100 anos com Butantã e Fiocruz, agora era essencial. O que foi alcançado na pandemia foi quase sem recurso. Imagine-se a pessoas que têm recursos? Imagine ser acreditado? que era importante investir

 

As vacinas Covid-19 não foram desenvolvidas em apenas um ano. As tecnologias para eles nunca existiram, e os governos dos EUA, Alemanha e Reino Unido ainda estão investindo bilhões de dólares. A ciência é um produto de longo prazo, e é isso que nosso político não faz. Ele concede verba hoje e quer ou resultado ontem. A ciência leva tempo, mas a população viu agora ou o valor da ciência.

 

Por Rafael Garcia - oglobo