Após atos golpistas, Bolsonaro agora diz em nota que ataques ao STF 'decorreram do calor do momento'

Presidente afirmou que pessoas com poder não tem direito de 'esticar a corda'

Após atos golpistas, Bolsonaro agora diz em nota que ataques ao STF 'decorreram do calor do momento' Presidente Jair Bolsonaro em discurso do 7 de setembro Foto: Foto: Alan Santos/PR / Agência O Globo Notícia do dia 09/09/2021

BRASÍLIA —  Após o acirramento da crise insitucional causada pelos atos com pautas antidemocráticas de 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro divulgou uma "declaração à nação" nesta quinta-feira dizendo que nunca teve "a intenção de agredir quaiquer Poderes". Bolsonaro disse que  suas  "palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum."

"Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar", afirmou Bolsonaro.

O texto foi escrito junto com o ex-presidente Michel Temer. Bolsonaro ligou para seu antecessor ontem à noite e mandou buscá-lo em São Paulo de manhã. A reunião começou por volta das 11h30 e durou cerca de quatro horas. A informação foi antecipada pela TV Globo e confirmada pelo GLOBO. 

No documento, dividido em dez pontos, o presidente afirma que não teve intenção de agredir e que pessoas que exercem o poder "não têm o direito de 'esticar a corda'", o que prejudicaria a vida dos brasileiros e a sua economia.

"Por isso, quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum", afirmou o presidente.

O presidente afirmou ainda que boa parte de suas divergências com os demais poderes, sua principal questão é em relação ao ministro Alexandre de Moraes.

Na carta, Bolsonaro destaca as qualidades do ministro como "jurista e professor", mas que existem "naturais divergências" com algumas de suas decisões.

Bolsonaro prometeu ainda que, a partir de agora, essas divergências serão resolvidas por meio de medidas judiciais que serão tomadas no Judiciário para "assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais".

"Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país. Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles", afirmou Bolsonaro.

Segundo a colunista Bela Megale, a carta de Bolsonaro foi recebida com cautela por ministros do Supremo. Principais alvos dos ataques e ameaças do presidente, os magistrados vão esperar mais gestos para ver se a bandeira branca se manterá hasteada. Só a partir daí pretendem abrir concretamente o diálogo.

Outros recuos do presidente

Essa não é a primeira vez, entretanto, que o presidente Bolsonaro recua após aumentar a temperatura da relação com outros poderes. Ainda em julho deste ano, Bolsonaro se reuniu com o ministro Luiz Fux após chamar o ministro Luis Roberto Barroso de "imbecil" e "idiota".  Na ocasião, Bolsonaro chegou até mesmo a dizer que a partir dali seria "Jairzinho paz e amor". A trégua, entretanto, não durou muito e poucas semanas depois ele voltou a mirar seus ataques no Supremo.

Em 2020, Bolsonaro adotou a mesma estratégia. No ápice da crise do coronavírus, Bolsonaro também interrompeu os ataques ao Legislativo e ao Judiciário, reduzindo suas conversas com apoiadores no Palácio do Alvorada após uma sequência de episódios em que fez pouco caso da pandemia. A mudança também não durou muito tempo e o presidente, pouco a pouco, voltou a radicalizar ao defender medicamentos sem comprovação científica e colocando em dúvidas as vacinas contra a doença.

Acirramento da crise

O presidente divulgou a nota após uma semana de ataques e discursos duros contra o STF, além de promover, nos últimos dois meses, a divulgação dos atos realizados no feriado de 7 de Setembro. Ele  participou ainda de motociatas com seus seguidores até mesmo nos dias de semana. Na maioria dessas ocasiões, Bolsonaro atacou os ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso. Em agosto, o presidente chegou a protocolar um pedido de impeachment de Moraes no Senado Federal, negado pelo presidente da Casa Rodrigo Pacheco. E, na véspera dos atos, Bolsonaro afirmou que as manifestações seriam um "ultimato" aos ministros da Corte.

A "Declaração à Nação" acontece também após a péssima repercussão dos discursos do presidente nos atos do Dia da Independência. Em Brasília, o presidente atacou diretamente o ministro Moraes.

— Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil. Ou o chefe desse poder enquadra o seu ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos — ameaçou Bolsonaro.

Ao lado de Bolsonaro, no palanque, estavam, entre outros, os generais Hamilton Mourão (vice-presidente da República) e Braga Netto (ministro da Defesa).

Na Avenida Paulista, em São Paulo, Bolsonaro fez ataques mais diretos e mais contundentes. Ele chegou a afirmar que não iria mais cumprir decisões de Alexandre de Moraes.

— Eu falo em nome de vocês. Determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Digo a vocês que qualquer decisão do ministro Alexandre de Moraes esse presidente não mais cumprirá — disse Bolsonaro, para milhares de seguidores.

E disse também que "ou esse ministro se enquadra, ou pede para sair".

Confira a declaração na íntegra:

"Declaração à Nação

No instante em que o país se encontra dividido entre instituições é meu dever, como Presidente da República, vir a público para dizer:

1. Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar.

2. Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news.

3. Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de “esticar a corda”, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia.

4. Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum.

5. Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes.

6. Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art 5º da Constituição Federal.

7. Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país.

8. Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição.

9. Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles.

10. Finalmente, quero registrar e agradecer o extraordinário apoio do povo brasileiro, com quem alinho meus princípios e valores, e conduzo os destinos do nosso Brasil.

DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA

Jair Bolsonaro

Presidente da República Federativa do Brasil"