Á Fifa não interessa o certo, mas o conveniente

A rede de corrupção consegue agir mais rapidamente que os sistemas de segurança criados pela Tecnologia da Informação, porque a TI não tem critérios morais

Á Fifa não interessa o certo, mas o conveniente Juca Kfouri Notícia do dia 17/03/2015

VOCÊ LÊ como se fosse um romance. Os personagens são magistralmente descritos e se encontram à medida que a trama se desenvolve. Infelizmente, para os apaixonados pelo futebol, não é romance. É radiografia da sujeira globalizada que o atinge cada vez mais.

Bem fundamentado, "Jogo roubado", do jornalista americano Brett Forrest, se inscreve na esteira recente de livros sobre a corrupção que mancha o mais popular dos esportes. Sem querer estragar o prazer da leitura, ao menos neste caso parte dos bandidos não se dá bem no fim.

A dimensão da roubalheira revelada por Forrest via apostas ilegais e legais pela internet é tal que parece inverossímil.

O pior é que a matriz da corrupção permanece intocada sob o manto de quatro letrinhas: Fifa.

Forrest descreve minuciosamente como um asiático manipulador de resultado pelo mundo afora, com abrangência em mais da metade das federações filiadas à Fifa, e em 60 países, é perseguido por um policial australiano, Chris Eaton, que sai da Interpol para investigá-lo e denunciá-lo.

Interpol que calcula ser na casa de US$ 1 trilhão o montante das apostas em jogos de futebol anualmente, embora os asiáticos, China e Cingapura na cabeça, calculem que seja muito mais.

Para que se tenha uma ideia, estima-se que a indústria do futebol, direitos de TV e patrocínios, movimente 25 bilhões de dólares por ano.

Jogadores e árbitros venais são o elo literalmente fraco desta corrente que põe em risco a credibilidade do futebol. O policial, ao se aposentar, chega a ser contratado pela Fifa e a ouvir de Joseph Blatter a frase cínica: "Não sou um presidente feliz".

Porque cínica ficará claro quando Eaton se demite da entidade, depois de saber que seu trabalho não seria levado adiante nos termos combinados.

Como obrigatório ao tratar de futebol e corrupção, o Brasil não fica fora, bem representado pela dupla João Havelange/Ricardo Teixeira, embora não mencione o "caso Edílson Pereira de Carvalho", que estragou o Campeonato Brasileiro de 2005, porque restrito ao Brasil e digno de amadores se comparados aos manipuladores globalizados.

A rede de corrupção consegue agir mais rapidamente que os sistemas de segurança criados pela Tecnologia da Informação, porque a TI não tem critérios morais. E porque a possibilidade de apostar em jogos em andamento, até em número de cartões vermelhos por jogo, ou em que minuto acontecerá o primeiro arremesso lateral, torna tudo quase inadministrável, a menos que haja um esforço que envolva, como Eaton propõe, todos os países do planeta.

Porque, fica claro, à Fifa não interessa o certo, mas o conveniente. "É o sujo que fala do mal lavado", segundo o principal corruptor descrito no livro, o cingapuriano Wilson Raj Perumal. "Jogo Roubado", da Editora Paralela, tem 222 páginas, custa R$ 39,90 e merecia tradução melhor, com frases como "ele marcou pênaltis fora da pequena área".

Juca Kfouri é formado em ciências sociais pela USP. Com mais de 40 anos de profissão, dirigiu as revistas 'Placar" e "Playboy'. Escreve às segundas, quintas e domingos