Os 'imbrocháveis' estão gozando com a dor dos brasileiros

Meu cunhado está entre os 10% que estão transando bastante. Ele é o típico negacionista que adora gritar: “mito”. Me xinga de maricas e cagão porque uso máscara e faço o que a ciência recomenda. Não tem a menor culpa de ir a festas clandestinas, bares e aglomerações. Diz que é só “uma gripezinha, doença de velhinhos e fracotes”, apesar de ter se infectado e transmitido o vírus para a mulher e filhos. 

Os 'imbrocháveis' estão gozando com a dor dos brasileiros  Publicado em 03/03/2021 por Carlos Latuff site Humor Político Notícia do dia 04/03/2021

Os sádicos genocidas sentem prazer em alimentar o ódio, o pânico, a violência e a destruição do país 

Mirian, a sua coluna "Por que os brasileiros perderam o tesão?" é libertadora.

Você não imagina o meu alívio ao saber que não sou o único brocha da pandemia. Identifiquei-me totalmente com um depoimento da sua pesquisa: 

“A última vez que transei foi em 10 de março de 2020. Será que sou normal? Ou fiquei brocha e impotente para sempre?”. 

 

Minha mulher está mais preocupada do que eu. Sempre transamos bastante, mas agora estamos assexuados. Conversamos, vemos filmes e séries, trabalhamos muito, dividimos as tarefas domésticas, quase nunca brigamos, namoramos e somos muito carinhosos um com o outro. Mas o tesão sumiu.  Ela não acredita que um homem da minha idade —tenho 51 anos— possa ficar tanto tempo sem transar. Está insegura, desconfia que estou fazendo sexo virtual e me masturbando assistindo vídeos pornô. Não faço nada disso. É puro machismo achar que uma mulher pode ficar um ano sem transar e o homem não, você não acha? Tenho tantos medos e angústias que o sexo deixou de ser uma prioridade. 

Fiquei curioso com um dado da pesquisa: quem são os 10% que estão transando mais do que antes? Jovens apaixonados com os hormônios em ebulição? Egoístas que só se preocupam com o próprio umbigo e não se afetam com a morte de mais de 250 mil brasileiros?

Como ter tesão no meio de uma guerra que está exterminando milhares de brasileiros todos os dias? É difícil compreender como alguém consegue se alienar dessa tragédia e se concentrar no próprio prazer, mas tenho um exemplo na família.

Meu cunhado está entre os 10% que estão transando bastante. Ele é o típico negacionista que adora gritar: “mito”. Me xinga de maricas e cagão porque uso máscara e faço o que a ciência recomenda. Não tem a menor culpa de ir a festas clandestinas, bares e aglomerações. Diz que é só “uma gripezinha, doença de velhinhos e fracotes”, apesar de ter se infectado e transmitido o vírus para a mulher e filhos. 

No mesmo dia em que o Brasil atingiu o dramático marco de 250 mil vidas perdidas, no mesmo dia em que o seu mito provocou aglomerações, mentiu que as máscaras são um risco para a saúde, sabotou a vacinação, deu risadas e debochou do sofrimento dos brasileiros, meu cunhado enviou a seguinte mensagem para o grupo da família no WhatsApp: 

“Aviso às feministas de plantão, aos politicamente corretos, aos cagões e maricas da família: isso não é fake news. Podem me xingar de machista, de macho tóxico, cafajeste, canalha, imbecil, escroto, fascista, torturador, fanático, genocida, sádico. Não estou nem aí. Tenho o maior orgulho de ser um macho de verdade, um tarado viciado em sexo, e estou gozando ainda mais nessa pandemia. Sou igual ao meu capitão: imbrochável”. 

Uma pergunta que não quer calar: Se mais de 60% estão transando menos ou não estão transando, será que o novo normal é ser brocha? 

 

Texto: Mirian Goldenberg 

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio, é autora de "A Bela Velhice"