Solidariedade basta para resolver os problemas da Sociedade?

Nós, cidadãos e cidadãs, precisamos trabalhar por mudanças concretas e de longo prazo. Devemos usar as duas mãos: estender uma para ajudar generosamente e empunhar a outra para lutar e reivindicar corajosamente.

Solidariedade basta para resolver os problemas da Sociedade? Phelipe Reis é jornalista e colaborador do Igreja Batista de Parintins Notícia do dia 13/02/2021

Eu acredito demais no poder da solidariedade. Pratico e incentivo muito que seja praticada, seja de forma individual ou coletiva por associações, ONG’s, igrejas, grupos de amigos, etc. É um valor fundamental para uma sociedade mais fraterna. A pandemia tem nos mostrado isso com diversos e belos exemplos de generosidade. Pessoas comuns, sem muito poder aquisitivo, que se juntam com outros para contribuir e fazer o bem ao próximo. Se não fosse essa sensibilidade humana de muitas pessoas, certamente estaríamos em um cenário bem pior.

Mas eu sou muito cético quanto ao poder de nossas atitudes solidárias em tocar na raiz do problema e amenizar a crise que estamos vivendo. A solidariedade da população vai resolver a falta de leitos no hospital, a falta de UTI, a falta de oxigênio e o baixo salário dos profissionais em saúde? Essas questões são profundas e complexas e exigem da sociedade uma resposta à altura. Se de fato queremos uma sociedade mais justa, será que podemos nos dar por satisfeitos com nossas ações pontuais de caridade?

Acredito que o desafio é o seguinte: o mesmo esforço que empenhamos em ações solidárias precisamos concentrar também na mobilização, luta e resistência para a efetivação de políticas públicas. São as políticas públicas que promovem o bem-estar e o desenvolvimento da sociedade em áreas como saúde, educação, meio ambiente, assistência social e segurança, etc.

Nós, cidadãos e cidadãs, precisamos trabalhar por mudanças concretas e de longo prazo. Devemos usar as duas mãos: estender uma para ajudar generosamente e empunhar a outra para lutar e reivindicar corajosamente. Precisamos perceber que a solidariedade ingênua, sem reflexão e crítica política, facilita práticas e esquemas corruptos de gestores públicos, cuja ganância nunca se sacia.

Precisamos pressionar as autoridades para que assumam a responsabilidade devida e tomem medidas sérias e concretas para suprir as demandas da população. Precisamos ocupar e fortalecer os conselhos municipais, que são os espaços legítimos para construção coletiva e fiscalização das políticas públicas. Precisamos recorrer aos balcões formais de denúncia, como o ministério público e a defensoria, bem como apoiar o trabalho dos servidores destes órgãos. Devemos pressionar os vereadores para que assumam o devido papel fiscalizador, em vez de dizerem “amém” passivamente para todas as medidas do poder legislativo. Precisamos usar de forma inteligente o alcance das redes sociais para questionar os jornalistas da imprensa local para que apurem e divulguem o que é de interesse público e não apenas o que convém aos pagadores de publicidade.

Como cidadãos e cidadãs, não podemos nos esquivar deste dever. Isso é fazer política sem cair na politicagem que aprofunda as desigualdades sociais. A solidariedade que se esgota num ato isolado, muitas vezes, serve mais para alimentar um ego vaidoso e narcisista do que para saciar a necessidade do próximo. As políticas públicas causam transformação estrutural e promovem equidade e dignidade humana.

O caminho que escolhemos trilhar hoje e a forma que decidimos usar nossas mãos definirão o futuro que teremos e o amanhã que deixaremos para as próximas gerações.

texto: Phelipe Reis é jornalista