Os pretos e os brancos no ‘BBB21'

O cantor Fiuk passa o tempo inteiro chorando e se sentindo culpado por ser “branco e privilegiado”. Caio, o caipira da vez, diz que vive em ambiente machista, mas que precisa se “desconstruir”. Os pretos ganharam o protagonismo.

Os pretos e os brancos no ‘BBB21' Karol Conká arruma suas malas no Quarto Colorido — Foto: Globo Notícia do dia 08/02/2021

Há uma tensão racial na edição atual do “Big Brother”. O programa sempre foi acusado de não representar a população brasileira. O grupo que participa anualmente da corrida por um milhão e meio de reais é sempre formado por louras gostosas que rebolam à beira da piscina ou rapazes sarados que rebolam à beira da piscina. Sempre há um preto entre eles, como se cumprisse uma cota. Às vezes há um casal de pretos. Muito raramente, são três os pretos escalados para a atração.

Não é diferente no restante do mundo. No “Big Brother” americano, gostosas e sarados também formam a maioria, dando lugar para um preto, um latino, um oriental e olhe lá. A CBS, rede de televisão que produz a versão americana, já decidiu. A partir deste ano, as minorias representarão 50% dos participantes. O Brasil saiu na frente. Na edição de 2021, há nove pretos num total de 20 integrantes.

Talvez seja, na história da televisão, a melhor oportunidade para se cumprir uma antiga reivindicação da população preta: mais representatividade. O problema é que, no “Big Brother”, o confinamento e a competição costumam revelar o melhor e o pior de cada participante, independentemente da etnia. E, justamente quando alcançam a representatividade na TV, os pretos estão exibindo alguns dos piores exemplos que já passaram pelo programa. Num primeiro momento, os brancos se intimidaram. O cantor Fiuk passa o tempo inteiro chorando e se sentindo culpado por ser “branco e privilegiado”. Caio, o caipira da vez, diz que vive em ambiente machista, mas que precisa se “desconstruir”.

Os pretos ganharam o protagonismo. O ator Lucas Penteado cumpriu uma trajetória clássica no “BBB”. Tomou um porre numa festa e foi inconveniente com os outros participantes. Resultado: foi rejeitado pela casa, virou vítima. Este é outro clássico do “BBB”: as vítimas ganham o apoio do público. Os perseguidores tornam-se “o grupo do mal”. No grupo do mal sempre tem um vilão. O problema é que, desta vez, o “mal” ficou entre os pretos.

A cantora Karol Conká despontou como a vilã deste ano. Ela chama Lucas de idiota e “seu merda”. Pede para que ele não fale quando ela estiver por perto e o proíbe de sentar-se à mesa com ela durante as refeições. Os participantes referem-se à revolução, à luta, ao lugar de fala, mas o que exercem é o abuso psicológico. A mulher negra e psicóloga Lumena é um amontoado de clichês. Sente-se ofendida quando os rapazes fazem uma brincadeira maquiando-se como mulheres. Karol Conká aproveita para reclamar das fantasias de índio e escrava no carnaval. “Eu agora me fantasio de cogumelo”, orgulha-se. Lumena reclama do cantor Rodolffo, que também quer se desconstruir, mas “com inteligência e paciência”. “Ele não sabe o que é paciência”, grita Lumena (ela grita muito). Com o dedo em riste, ela grita (não disse?) para Lucas: “Eu não quero ser palco para você ser Zumbi do Palmares.” A militância equivocada não é exclusividade feminina. O rapper Projota e o comediante Nego Di também têm decepcionado.

Não dá para se dizer ainda quem será o grande vencedor deste “Big Brother”. Mas já se sabe que o grande perdedor é o movimento negro.

 

Texto: ARTUR XEXÉO

O GLOBO