Coronavírus se espalha pelo interior do Rio, onde capacidade limitada de atendimento médico preocupa

De Wuhan, na China, a Bom Jardim, Covid-19 avança pelo estado e aflige até as áreas rurais

Coronavírus se espalha pelo interior do Rio, onde capacidade limitada de atendimento médico preocupa Paulo Cezar Correia Dias, de 50 anos, e a mulher, produtores de flores na zona rural de Bom Jardim, tiveram Covid-19 em maio Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo Notícia do dia 26/07/2020

RIO — Paulo César Correa Dias, de 50 anos, planta os cravos que colherá daqui a seis meses ainda cansado dos dez dias de internação na Santa Casa de Bom Jardim, no interior do estado. Quase morreu de Covid-19, relata ele, ainda assustado.

— Tomei cloroquina, ivermectina. Um dia, o médico disse que eu tinha de ficar de bruços. Perdi a consciência, fui desenganado — conta Paulo César, um dos raríssimos moradores de Ribeirão das Almas, distrito de Bom Jardim.

Cercado de plantações de flores, seu ganha-pão, imagina que a doença atingiu sua família porque, para vender o que produz, ele tem que estar na Cadeg do Rio duas vezes por semana. O teste deu positivo no hospital, depois de dois dias de dor no corpo, febre e falta de ar. A mulher, Cláudia Constantino, de 47 anos, também se contaminou. Ficou isolada em casa enquanto o marido esteve internado.

— Não dá para entender como um vírus que veio lá da China chegou até minha casa — diz Cláudia, que cedeu um quarto na semana passada à mãe da nora, que está vivendo de cesta básica, o novo drama dos agricultores da região diante da perda de clientes e da incapacidade de escoamento da produção.

— O povo não fala mais comigo, não. Acha que eu vou passar a doença — lamenta Paulo César.

A cidade, assim com outras da região, fez barreira sanitária até a semana retrasada. Com febre, o viajante era encaminhado ao hospital. Agora, diz o secretário municipal de Saúde, Cláudio Alberto Spitz, a contaminação está sendo considerada familiar. Um centro de testagem identifica os casos. Mesmo com o resultado negativo, o paciente recebe um kit contendo ivermectina, azitromicina e Predsin.

—Como o governo federal delegou aos estados, e os estados aos municípios, não há um protocolo que una toda a rede. Como também não há comprovação alguma da eficácia desses remédios na profilaxia— afirma o pesquisador da Fiocruz Diego Ricardo Xavier.

Migração da capital

O diretor da Santa Casa do município, Alan Rodrigues de Barros, atesta que, como indicam os números gerais, os casos no município aumentaram. Para ele, o fato de muitos moradores da capital terem optado por períodos temporários ou mesmo pela mudança para cidades pequenas explica o aumento. Sua tese está em consonância com dados do Ministério da Saúde, que aponta um percentual de infectados de 42% nas capitais e de 58% no interior do país.

— Temos aqui um vírus que ataca o que há de mais sensível no organismo. Nós damos a profilaxia (o kit), mas não dá para dizer que aquilo vai resolver. Não há garantia de eficácia nem de melhora —reconhece Spitz.

A enfermeira Fernanda mede a temperatura e a oxigenação de Antônio José: 40 dias com taxa viral alta Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
A enfermeira Fernanda mede a temperatura e a oxigenação de Antônio José: 40 dias com taxa viral alta Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Outro caso que chama a atenção no município, cujo prefeito, Antônio Gonçalves, também foi contaminado, é o do motorista Antônio José de Oliveira, de 65 anos. Há mais de 40 dias com uma taxa viral alta, acima de 7, ele é assintomático, mas faz parte do que os estudiosos chamam de grupo supertransmissor.

— Quando apareço, todo mundo sai correndo. É bom que ninguém vem me cobrar dívida — brinca Antônio José, que mora numa área rural mas, às vezes, vai ao Centro.

A filha e a mulher de Antônio José tiveram sintomas da doença. E as duas seguem cuidando do neto do motorista, de apenas 2 anos.

— Em cidade pequena, Seu Antônio tem um FBI atrás dele. É só alguém vê-lo que ligam para o hospital. Mas, no interior, ainda há pessoas que não acreditam no coronavírus, acham que é invenção política — diz a enfermeira Fernanda Pinheiro.

Nas praças de Bom Jardim e de cidades do entorno, especialmente nas áreas rurais, é possível ver idosos jogando cartas sem máscaras, despreocupados com a pandemia.

— Até pouco tempo, ninguém usava máscara. Sofria preconceito se colocasse uma — conta Edmar da Batata, fornecedor de verduras e legumes que é apontado como o primeiro caso na cidade — ele ficou em estado grave e recebeu atendimento num hospital particular de Nova Friburgo.

No começo da semana passada, Nova Friburgo entrou na chamada bandeira vermelha, por causa da preocupação com sua capacidade de leitos. O comércio voltou a fechar e as máscaras se tornaram obrigatórias. Muitas, no entanto, são vistas apenas no queixo dos moradores. O hospital de campanha que seria montado na cidade está com a estrutura pronta, porém não será aberto. O secretário de Saúde, Marcelo Braune, que também é vice-prefeito, afirma que vem negociando com unidades privadas uma ampliação dos leitos. Na sexta-feira, o número de mortos chegou a 56. Por conta da alta de pacientes, Nova Friburgo voltou à bandeira amarela.

ACESSE MATERIA COMPLETA Assinada no GLOBO pela jornalista Maiá Menezes