Câmara aprova em dois turnos texto do novo Fundeb

Após acordo com o governo, relatora fixa em 23% participação da União

Câmara aprova em dois turnos texto do novo Fundeb Relatora do Fundeb: Professora Dorinha (DEM-TO) discursa em plenário Foto: Najara Araujo / Câmara dos Deputados Notícia do dia 22/07/2020

BRASÍLIA — A Câmara dos Deputados aprovou em dois turnos nesta terça-feira a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que renova o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). O texto elaborado pela relatora Professora Dorinha Seabra (DEM-TO) fixou em 23% a participação da União no financiamento da educação. Esse percentual será atingido após seis anos de gradativo incremento. Após acordo com o governo, o relatório reserva ainda cerca de 5% para o investimento em educação infantil. Caso a proposta seja promulgada, os efeitos financeiros passam a valer a partir de 2021. Em primeiro turno, a PEC foi aprovada por 499 votos a favor e sete contra; em segundo, por 492 a seis. 

Agora, o texto segue para o Senado.  O Fundeb é a principal fonte de financiamento da educação básica brasileira e sua vigência termina no final deste ano. A proposta torna o mecanismo permanente e melhora suas ferramentas de distribuição.

A proposta inicial de deputados previa uma complementação de 20% por parte da União de modo gradual ao longo de seis anos. Já o texto aprovado prevê a seguinte evolução: 12% (2021), 15% (2022), 17% (2023), 19% (2024), 21% (2025) e 23% (2026).

— Numa situação mais normal, não seria uma proposta absurda começar o aumento da complementação em 2022. No entanto, a arrecadação vai ter queda este ano, o que repercute no investimento da educação deste ano e do ano que vem. Como vai ter uma retração, terá uma diminuição da capacidade de investimento. Além disso, as redes vão ter um esforço ainda maior para saber o que foi afetado do ponto de vista do desenvolvimento pedagógico durante a pandemia. Ou seja, é um desafio dobrado com recursos recursos menores. Nesse contexto, não dá para falar num Fundeb menor, sendo que a União é a que mais arrecada impostos e menos contribui — avaliou Priscila Cruz, presidente do "Todos pela Educação".

De acordo com a organização "Todos pela Educação", o novo Fundeb dá maior eficiência à distribuição de recursos, beneficiando os alunos mais pobres. Segundo os cálculos da entidade, o valor mínimo investido por aluno por ano alcançará, em 2026, R$5.700, ante os R$3.700 atuais. Ainda segunda a ONG, 2.745 passarão a receber a complementação da União com a nova regra — em 2019, foram 1.758.

A relatora manteve a proibição do uso do fundo para o pagamento de servidores inativos. O governo havia proposto que fosse permitido usar o Fundeb para esse fim. Nos últimos dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou incluir na proposta a existência de um voucher para que pais de crianças pudessem pagar creches privadas. A ideia foi rejeitada, mas houve acordo para fortalecer o ensino infantil.

Entenda de onde vem e para onde
vai o dinheiro que financia a Educação
Fundeb
De onde vem
Uma parte de diversos impostos estaduais e municipais, como:
o dinheiro?
 
• Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS, fonte de mais da metade do total do Fundeb)
(IPVA)
• Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
(ITCMD)
• Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação
 
• Fundo de Participação dos Municípios e Fundo de Participação dos E
stados
(que recebem dinheiro de parte de tributos como o Imposto de Renda)
No modelo atual,
a União complementa com 10% do que
. A nova proposta
foi arrecadado por todos esses impostos
é subir essa parte do governo federal para até 20%.
Para onde
Da creche ao ensino médio
público municipal e estadual
ele vai?
Total
TOTAL
arrecadado
R$ 152,9 bilhões
R$ 15,2 bilhões
R$ 168,1 bi
EM 2019
ESTADOS E MUNICÍPIOS
COMPLEMENTAÇÃO FEDERAL
Como é
Internamente, o valor
anual investido por
distribuído
R$ 159
aluno é igual entre
BILHÕES
O Fundeb é
todas as redes
formado por 27
daquele estado.
fundos estaduais.
No entanto,
como
Esses fundos
alguns lugares têm
recebem os
arrecadação maior,
dinheiros dos
algumas unidades da
impostos municipais
federação dividem um
e estaduais e esse
bolo menor por aluno
.
dinheiro é distribuído
E aí que entra a
internamente. Ou
complementação da
seja, o dinheiro de
União (os R$ 15,2 bi
um estado não vai
da conta)
para outro
Primeiro, o governo faz um ranking para saber quem tem mais e quem
DIVIDÃO DO
tem menos dinheiro. Depois,
vai equalizando pela base: repassa ao 27º
COMPLEMENTO
estado a verba necessária para se igualar ao 26º. Na sequência, o
FEDERAL
último e o penúltimo da lista ganham o valor adicional para atingirem
. Isso se repete até se esgotar o montante da União
o patamar do 25º
Em 2019, por exemplo: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Pará,
Paraíba, Pernambuco, Piauí e Maranhão receberam a complementação
nos anos iniciais (do 1º ao 5º ano do ensino fundamental) até que o
valor mínimo investido nessa etapa foi de
R$ 3.238,52
Pelo menos
do
60%
O restante pode ir para ações como:
Como ele
dinheiro do Fundeb
deve
• Remuneração de diretores, orientadores
é gasto
ser aplicado no pagamento
pedagógicos e funcionários
do salário dos professores
• Formação continuada dos professores
da rede pública na ativa
• Transporte escolar
• Compra de equipamentos e material didático
• Construção e manutenção das escolas
Obs: A lei proíbe o uso do Fundeb para
despesas como merenda, assistência médico-
odontológica, farmacêutica, psicológica, entre outros.

 

— Em um esforço de alcançar o consenso amplo que incorporasse elementos da proposta do Governo, apresentada em julho de 2020, acordamos em uma complementação final de 23% em seis anos, com a priorização para educação infantil, etapa de ensino onde se concentra a maior demanda não atendida pelo sistema público de ensino. Isso trará grande impacto para a  educação da primeira infância —  disse Dorinha ao ler o relatório.

O novo texto determina que, em caso de falta de vagas em creches na rede pública, o dinheiro poderá ser destinado a instituições sem fins lucrativos.  Com a complementação de 23%, 24 estados do país receberão aporte da União. De acordo com Dorinha, a proposta torna o Fundeb mais eficiente. Os 10% que a União já complementa atualmente permanecem como estão, dos 13% extras, 2,5% serão destinados a municípios que tenham bons resultados educacionais. Dos 10,5%  destinados para o valor aluno ano total, distribuído de acordo com a necessidade dos municípios, cerca de metade (5%) deve ser investido na educação infantil.

— Com adoção dos novos indicadores socioeconômicos e fiscais, a serem tratados na lei de regulamentação, a destinação de recursos torna-se mais redistributiva, atingindo mais entes federados.

A deputada manteve o piso de 70% do Fundo para pagamento de profissionais da educação. O governo defendia que 70% fosse o máximo a ser utilizado para esse fim. Na prática, após a última alteração do texto, foi estabelecido um teto de 85% para arcar com este tipo de despesa. Na proposta, foram reservados 15% para "despesas de capital", ou investimentos.

— Criou-se um teto sem dizer que foi teto. Tem agora a limitação até 85% para usar com pagamento de professores — disse o deputado Bacelar (PODE-BA), que foi presidente da comissão especial que tratou do tema.

Presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Garcia afirmou que a reserva de 15% para investimentos era uma demanda dos gestores municipais e comemorou a inclusão da regra no texto.

— Sem ela, muitas cidades só conseguem pagar os salários. Agora vão conseguir investir em alguma coisa — avaliou. 

A relatora manteve o Custo Aluno Qualidade como parâmetro para estabelecimento do padrão mínimo de qualidade do sistema educacional brasileiro. Havia uma demanda do governo pela retirada do dispositivo.

Durante a discussão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chorou ao ser elogiado por sua defesa pela aprovação do Fundeb. Ao ouvir de Dorinha elogios ao seu pai, o ex-prefeito do Rio Cesar Maia, pela atuação na área, o presidente da Câmara não segurou a emoção. A votação começou conturbada nesta terça-feira. Após a pressão do ministro da Economia, Paulo Guedes, para que a PEC fosse alterada em vário pontos, o líder informal do governo na Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apresentou pelo menos cinco requerimentos de obstrução para tentar adiar a votação.

A atitude de Lira gerou insatisfação, já que ele usou a condição de líder do bloco de legendas do centrão para travar a votação.

Líderes de partidos pressionaram o deputado do PP a recuar e fecharam acordo para esses requerimentos fossem retirados. Segundo um líder do grupo, o recado foi "claro": "entre o governo e a Educação, os deputados ficam com a Educação"

Nos últimos dias, a condução das negociações pelo governo foi criticada duramente pelos parlamentares. Em tramitação desde 2015 na Câmara, a proposta só mobilizou o Planalto quando o assunto foi incluído na pauta do plenário. E mesmo assim para fazer alterações considerados "esdrúxulas", como tentar incluir parte de programa social no Fundeb. 

texto: Bruno Góes, Paula Ferreira e Bruno Alfano O GLOBO