Mulher denuncia caso de violência obstétrica em Parintins

A jovem relata que nem conseguiu segurar direito seu bebê, pois foi logo levado pela médica, uma vez que o bebê parecia não respirar be

Mulher denuncia caso de violência obstétrica em Parintins Notícia do dia 02/07/2020

 “Assim que o meu bebê nasceu, a enfermeira passou ele para a médica por entre as minhas pernas. Foi tudo muito rápido. Ao cortar o cordão e ver que ele não tinha reação, a médica o levou. Eu tentai pegar nele, mas não consegui. Ela saiu correndo segurando nas perninhas, com a cabeça para baixo. Essa é a última imagem que tenho do meu bebê. Depois não o trouxeram mais para mim e só tive as notícias de sua piora.”
O trecho acima é do relato de parto de Fabíola Emilly Portilho de Souza. Parintinense de 26 anos, ela tornou público nesta quarta-feira (01/07) em seu perfil no Facebook o relato de sua experiência. De acordo com o relato, Fabíola estava na 35ª semana de gestação quando, no dia 13 de junho de 2020, deu entrada no Hospital Padre Colombo, sentindo contrações e perdendo líquido há dois dias.
Entenda o caso
A jovem conta que foi atendida por uma enfermeira, cujo nome não foi revelado, e que deu o diagnóstico de leucorreia, um corrimento vaginal bastante normal durante a gestação. A pedido da paciente, a enfermeira prescreveu exame de urina, cujo resultado foi entregue no mesmo dia, apontando infecção urinária. A orientação da enfermeira foi que a jovem tratasse a infecção em casa, tomando o medicamento recomendado.
No dia seguinte, 14/06, Fabíola retornou ao hospital, onde foi atendida por outras profissionais, que realizaram o toque ginecológico para verificar a dilatação do colo do útero para a passagem do bebê. Ao ver o resultado do exame de urina feito no dia anterior, a médica de plantão recomendou a internação da paciente para tratar a infecção urinária, pois a infecção estava provocando as contrações e querendo antecipar o parto.
Ao dar entrada para a internação, Fabíola realizou o teste para covid-19 e deu resultado positivo, por isso foi encaminhada para a “sala rosa”, onde ficam as gestantes positivadas para covid-19. No mesmo dia à noite, ela já apresentava 4cm de dilatação e foi iniciado o processo de indução do parto. Cerca de cinco horas após ter iniciado a indução, a jovem apresentava cerca de 9 cm de dilatação do colo do útero e foi levada pela enfermeira para a sala de parto, onde foi orientada a fazer bastante força para empurrar o bebê, mas sem obter êxito.
Após um tempo sem progresso, a enfermeira pediu ajuda a outros profissionais, pois estava com dificuldades e a médica de plantão não estava no hospital no momento. Quando a médica chegou, orientou que fosse preparada a sala para a cesárea, o que levaria cerca de 1 hora, tendo em vista que a mãe estava infectada pelo coronavírus. Neste tempo, a médica orientou um auxiliar de serviços gerais para empurrar com força a barriga da jovem e uma das enfermeiras a cortar o canal vaginal. Só assim o bebê nasceu.
A jovem relata que nem conseguiu segurar direito seu bebê, pois foi logo levado pela médica, uma vez que o bebê parecia não respirar bem. “Ela saiu correndo segurando nas perninhas, com a cabeça para baixo. Essa é a última imagem que tenho do meu bebê. Depois não o trouxeram mais para mim e só tive as notícias de sua piora. Praticamente eu não tive contato nenhum com o meu filho. Nem segurar ele, eu segurei. Ele foi enterrado e nem pude ver o seu rostinho.”, descreve Fabíola.
Segundo informações da equipe médica, o bebê de Fabíola, que se chamaria Nícolas Enoque Mafra Portilho, nasceu sem oxigênio, foi reanimado e ficou na incubadora, mas não resistiu e faleceu às 22h15, do dia 16 de junho. De acordo com a Declaração de Óbito, as causas foram hipóxia neonatal, prematuridade e insuficiência respiratória aguda.
Além de tornar público seu caso nas redes sociais, a jovem Fabíola Portilho registrou Boletim de Ocorrência na 3ª DIP e Especializada de Polícia Civil e realizou denúncia do caso no Ministério Público.
Solidariedade nas redes sociais
A publicação de Fabíola no Facebook ganhou bastante repercussão. Em poucas horas já tinha mais 90 comentários e quase 115 compartilhamentos. Muitas pessoas deixando mensagens de encorajamento e solidariedade. “Meus sentimentos. Fico triste com esse relato, primeiro por eu ser enfermeira obstetra. Garanto a você que não é isso que aprendemos. Que Deus lhe dê força nesse momento de dor”, escreveu uma internauta Andréa Da T. Pontes Azevedo.
Em meio aos comentários, algumas mulheres relataram ter passado por experiências semelhantes, onde foram vítimas de maus-tratos, negligência e violência obstétrica. Algumas pessoas pedem justiça: “Nossa, estou chorando com seu relato. Mana, sinto muito esse revoltante ocorrido. Que Deus conforte seu coração e de sua família. Eu acompanhei um pouquinho da sua gestação e vi o quando você estava feliz. Lute, sim, por justiça. Estamos juntas nisso. Força, mana”, comentou Jéssica Freitas.
>>> Leia o relato de Fabíola na íntegra <<< https://bit.ly/relato-fabiola

O que é violência obstétrica

Em julho de 2019, a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas aprovou uma Lei que dispõe sobre a implantação de medidas contra a violência obstétrica nas redes pública e particular de saúde do Amazonas. De acordo com a lei, “entende-se por violência obstétrica a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres, através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, que cause a perda da autonomia e capacidade das mulheres de decidir livremente sobre seus corpos e sua sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres durante o pré-natal, parto, puerpério ou em abortamento, que cause dor, dano ou sofrimento desnecessário à mulher, praticada por membros que pertençam à equipe de saúde, ou não, sem o seu consentimento explícito ou em desrespeito à sua autonomia”.
Alguns procedimentos médicos praticados ainda com frequência são caracterizados como violência obstétrica, como amassar a barriga da gestante para empurrar o bebê. Este procedimento é a manobra de Kristeller, uma técnica considerada agressiva e que pode causar lesões graves, como deslocamento de placenta, fratura de costelas e traumas encefálicos. A manobra já foi banida pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O corte entre vagina e o ânus, denominado episiotomia, com o objetivo de alargar a passagem vaginal para que o bebê saia com mais facilidade e com mais velocidade, também é considerado como violência quando realizado sem informações e consentimento prévio da gestante. A episiotomia aumenta o risco de infecção, a sensação de dor, de desconforto e dificulta o retorno da atividade sexual para a mulher. O Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam que ela seja evitada na maioria dos casos.

* A direção do Hospital Padre Colombo não se pronunciou de forma oficial sobre o caso relatada por Fabiola nas redes sociais 


Texto: Phelipe Reis – jornalista formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).