A morte está perto, mas ela não tem a palavra final

Mas em uma batalha não podemos nos deixar dominar pelo medo. É preciso submeter pensamentos, sentimentos e emoções, à Fé

A morte está perto, mas ela não tem a palavra final Dionísio Batista de Souza indígena da etnia wapixana Notícia do dia 29/05/2020

Eu nunca senti a morte tão de perto assim. Em 10 dias quatro pessoas próximas a mim fecharam os olhos para sempre. Rubenita Romano Marques, 75 anos, tia da minha mãe, faleceu vítima da covid-19, dia 17 de maio. Tereza Romano Marques, 94 anos, minha avó materna, veio a óbito dia 23 de maio, após meses lutando contra um câncer. #LaenaFarias, 30 anos, irmã em Cristo, faleceu dia 26 de maio. Sua morte repentina assustou a todos, deixando em pedaços nossos corações e um vazio sem tamanho. As causas de seu falecimento ainda são desconhecidas.

Dionísio Batista de Souza, 68 anos, mais uma vítima que perdeu a luta contra a covid-19 e faleceu em Manaus, dia 27 de maio. Nosso amigo Dion era indígena da etnia wapixana. Sua história é muito peculiar e pouco conhecida. Sabe-se que há muitos anos ele deixou a parentela, em Roraima, e veio viajando, pegando carona, trabalhando de lugar em lugar, até chegar por essas bandas. Família de sangue não tinha por aqui. Foi acolhido por Vovô Romano e vovó Tereza, bem como pelas minhas tias. Passava um tempo na casa de uma, depois na casa de outra, conforme ia aparecendo algum trabalho. Um senhor de pouquíssimas palavras. Falava bem baixinho. Para entendê-lo era preciso ter habilidade. Homem religioso, frequentador da missa. Mariano por muito tempo, zeloso com a roupa e os sapatos brancos e a fita azul, sempre tudo bem limpinho e arrumado para acompanhar as procissões. Certa vez, puxei conversa com ele. Comecei a perguntar da vida, da família, das lembranças de sua terra... Muita coisa não consegui entender. Mas me marcou quando ele descreveu um episódio em que esteve muito doente, a ponto de quase morrer, mas foi cuidado por alguém. “Achava que ia morrer. Dona Guiomar, mãe pra mim. Ela que cuidou de mim”, me contou ele lagrimando. Desde então, ele passou a morar na casa da minha mãe. Seu Dion sempre gostava de ajudar, trabalhar, tecer cestas e paneros de cipó, com uma calmaria e tranquilidade que só ele tinha. Com o tempo, seguindo o costume de minha família, passou a frequentar a Igreja Batista. Se arrumava com a melhor roupa que tinha e ia cedo para pegar um bom lugar para assistir ao culto. Tinha um carinho muito grande por Elis e Joaquim. Todas as vezes que íamos visitar minha mãe, seu Dion perguntava pelas crianças e sempre abria um sorriso grande quando ganhava um abraço de Elis. Agora ele não está mais entre nós. Na luta contra a covid, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. Mas esse terrível vírus abreviou a partida do seu Dion. Seu corpo repousará em uma terra totalmente estranha a ele, longe de todos que foram abençoados com sua amizade por anos.

Guiomar Romano Marques, 59 anos, minha mãe. Éstá internada desde sábado, acometida pela covid-19. Quem cuidou do seu Dion agora precisa de cuidado. Seu quadro clínico é estável, sem febre, sem muita dificuldade para respirar e com uma saturação acima de 95. Quem já enfrentou o câncer por duas vezes abriga em seu organismo resquícios da radiotividade do tratamento. Agora seus pulmões estão muito comprometidos por causa deste terrível vírus. Desde segunda-feira aguardamos sua transferência para Manaus.

Thiago Marques Reis, 36 anos, meu irmão. Também foi acometido pela covid-19. Vinha apresentando sintomas moderados. Nesta quarta-feira fez exames e tomografia, que identificou um comprometido moderado dos pulmões. Precisou internar para maiores cuidados e receber tratamento.

Nossos dias de maio tem sido de morte e medo. Sim, o medo é inevitável, diante da morte, da doença e da incerteza. Medo em pensar que a permanência da minha mãe em Parintins e a falta de estrutura médica pode implicar em morte, caso seus pulmões piorem. Medo de ser infectado em alguma saída necessária para ir supermercado e trazer o vírus para dentro de casa. Medo por não saber quando tudo isso vai acabar.

Mas em uma batalha não podemos nos deixar dominar pelo medo. É preciso submeter pensamentos, sentimentos e emoções, à #. Fé naquele que não nos abandona e que pode nos socorrer. Fé naquele que, em sua grandeza e soberania, não se entristece ao observar-nos encolhidos pelo medo. Fé naquele que pode nos abraçar e enxugar nossas lágrimas, mesmo quando o medo da contaminação não nos permite abraçarmos uns aos outros. Fé naquele que nos ama e que é o dono da vida. Fé naquele que não nos criou para a morte nem para o sofrimento. E enquanto houver fôlego, há de haver #esperança. E quando cessar o fôlego, mesmo em meio às lágrimas, a esperança fará brotar a convicção da ressurreição em vida eterna, pois para quem tem fé, a morte nunca terá a palavra final!

Phelipe Reis – Parintins, 27 de maio de 2020.

* É jornalista, Membro da Igreja Batista de Parintins, Colaborador Articulista do site ParintinsAmazonas