Dom Arcângelo Cerqua, Parintins e o feriado de 14 de maio

Dom Arcângelo devoto de Maria tinha o lema de pastoral “Duc in Altum- Avançar Mar Adentro”

Dom Arcângelo Cerqua, Parintins e o feriado de 14 de maio Dom Arcângelo, Padre Silvio e o padre Januário, no antigo campo da Aviação de Parintins Foto Arquivo Diocese PIN Notícia do dia 14/05/2020

Visionário, poeta, padre, monsenhor, bispo, cantor, líder espiritual, líder político, administrador. São infinitos adjetivos  e nomes a definir Dom Arcângelo Cerqua, o Primeiro Bispo Prelado de Parintins. Historiadores, escritores, sacerdotes, professores e pessoas simples da comunidade não o veem como unanimidade. Mas de certo Dom Arcangelo é um "divisor no Rio Amazonas" e de Parintins.

Existiu uma Ilha de Tupinambarana antes dele e a outra, após. Notícias e reportagens jornalísticas, citação em livro, figura inserida em dissertação de mestrado e doutorado, Dom Arcângelo é único.

No status dos primeiros missionários em Parintins, ainda no colonial, padre Francisco Gonçalves em 1658 e dois jesuítas “os primeiros padres que se ocuparam dos Tupinambaranas foram Manuel Pires e Manuel Souza em 1660" e claro padre Betendorf, que fez uma capela em honra a São Miguel, primeiro padroeiro de Parintins em 1669. Mas essa é outra história, que você pode rememorar lendo “Clarões de fé no Médio Amazonas”, do próprio Dom Arcângelo.

Um dos doutores sobre a vida de Dom Arcângelo Cerqua era o grande Padre Sóssio Pezzella, que morreu em 2017, aos 96 anos de idade. Padre Sóssio merece, aliás, uma bela biografia a parte. Foi o padre espécie de diretor espiritual e conselheiro de Dom Arcângelo, Dom Giovanni (João) Rizzate segundo bispo, de Dom Gino Malvestio terceiro bispo e de Dom Giuliano Frigeni 4ª Bispo da Diocese.

Um parêntese é que Dom João falecido em 09 de setembro de 2003 e Dom Gino falecido em 07 de setembro de 1997, pela proximidade com a população católica e por atuarem na Diocese, foram muito bem recebidos quando empossados. Infelizmente o mesmo não pode dizer de Dom Giuliano, que até os dias atuais sofre com comparações dentre a atuação pastoral dele e de Dom Arcângelo.

Devido à sua saúde, renunciou em 15 de julho de 1989, tornando-se bispo emérito de Parintins. Dom Arcângelo Cerqua faleceu em 16 de fevereiro de 1990, na Itália.  Dom Giuliano só recebeu a ordenação episcopal em 19 de fevereiro de 1999. Quando Dom Arcângelo chegou e assumiu a Diocese, em 1955, Parintins tinha uma população de 5.855 famílias, segundo o Anuário Estatístico do Brasil 1956. Já em 1999/2000 a população já era 90.150 habitantes sendo 58.125 (64,48%) da área urbana e 32.025 (35,52%) da área rural, segundo o IBGE. Esse parêntese tem de ser melhor resignificado para um entendimento contextualizado antes de qualquer leitura ou releitura sobre a pastoral de Dom Arcângelo Cerqua e a de Dom Giuliano.

Voltando...

Padre Sóssio era admirador, ex-aluno ainda na Itália e amigo de Dom Arcângelo, através do livro “Do mar de Nápoles ao Rio-Mar”, lançado em 2002, o qual faz um contexto sobre a vida desse missionário do Pontifício Instituto das Missões Exteriores (PIME) que chegou a cidade de Parintins no mês de abril de 1955.

Arcângelo nasceu em Giugliano, Província de Nápoles, Diocese de Avers, no dia 02 de janeiro de 1917. Filho de Antonio Cerqua e Maria Assunta Cecere. Tinha três irmãos: Giovana, Michele e Domenico. Foi Batizado na Igreja de São Nicolau no dia 8 de janeiro de 1917. Aos oito anos, no dia 02 de maio de 1924, fez a sua primeira comunhão na Praça de Santa Sofia durante as Santas Missões pregadas ao povo pelos Padres Redentoristas. Aos cinco anos, o menino Arcângelo teve o seu primeiro contato com as Missões. Ao lado da mãe, viu passar pela pequena Giugliano uma relíquia de São Francisco Saverio, o Apóstolo da Índia.

Em 04 de fevereiro de 1961, através do Papa João XXIII, Padre Cerqua foi nomeado Prelado de Parintins e Bispo Titular de Olbia. Foi sagrado bispo através do Núncio Apostólico no Brasil, Arcebispo Armando Lombardi, em 14 de maio de 1961, em Parintins. Os co-consagradores foram o arcebispo de Manaus, Dom João de Souza Lima e o prelado de Macapá, Dom Aristide Pirovano.

A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo era localizada na atual Igreja do Sagrado Coração de Jesus. A pomposa Catedral da Virgem do Carmelo estava em construção. Aliás, você sabia que a Primeira Igreja dedicada em Homenagem a Nossa Senhora do Carmo foi construída onde é a Igreja de São Benedito, no ano de 1806 pela comunidade ao comando do Frei José das Chagas? Antes, o Padroeiro de Parintins era São Francisco Xavier, indicação do padre Manuel dos Reis que chegou para atuar em Parintins em 1723. Dessa forma, Parintins já teve como Padroeiro: São Miguel, São Francisco Xavier e Nossa Senhora do Carmo.

Devoto da Virgem do Carmelo, Dom Arcângelo incentivou a Congregação Mariana da Diocese de Parintins, com a ajuda do padre Jorge Frezzini em 1956. Tiveram apoio dos marianos já existentes que eram de 1941, época em que o Padre Victor Heinz fundou a “Congregação Mariana Nossa Senhora do Carmo e São José”.

Escolas, posto de saúde, divulgação de técnicas agrícolas, assistência social, escolas paroquiais, jardins infantis, cursos profissionalizantes de marcenaria, serralheria, creches; além de clubes desportivos, cinemas e teatros paroquiais, Olaria dos Padres, Hospital Padre Colombo, Rádio Alvorada. Até fundar uma ilha para tratar dos leprosos, na comunidade do Aninga, próximo ao hoje Balneário Cantagalo, foram realizados na época desse bispo. A organização do Festival de Folclórico com a disputa de Caprichoso e Garantido, através de Padre Augusto Gianolla e os jovens da JAC, teve aval do então jovem bispo Cerqua. 

Junto com os demais padres do PIME, leigos, irmãs e irmãos, freiras, Dom Arcângelo impôs um ritmo diferenciado na construção social, econômica, religiosa, política e cultural de Parintins e demais cidades da região. Padre Januário, Padre Silvio Miotto o Cabarranjo, Padre Francisco Luppino, Padre Armando Rizza, Irmão Francisco Galianny, Irmão Bruno, Padre Augusto Gianola, Padre Sóssio e dezenas que já partiram e que não mediram esforços na sua missão no Baixo Amazonas. Outros como Padre João Andena, Benito Di Pietro, Emilio Butelly, Egidio Mozato, Padre Padre Belcredi, Padre Gabriel Modica, Henrique Uggê, Mauro Romanelly e tantos outros do PIME que estão fora de Parintins atualmente. Poucos do PIME daquela época estão atuando a Diocese. 

A arte do Irmão Miguel de Pascalle replicada a centenas de crianças e adolescentes, que cuminou nas pinturas até hoje na Majestosa Catedral do Carmo deve ser colocada num reltato a parte. Irmão Miguel era outro a contribuir com Dom Arcângelo e com os bispos posteriores até Dom Giuliano.  

Política 

O chefe maior da Igreja Local não deixava de fazer política e ganhar. Historiadores dizem que Dom Arcângelo ajudou a eleger o prefeito de prefeito Dejard Vieira, o deputado estadual Rafael Faraco que depois virou deputado Federal, o vereador Fernando Oliveira, que em 1970 foi eleito deputado estadual, e na eleição da deputada estadual Socorro Dutra Lindoso da cidade de Barreirinha. Além de ajudar o ex-aluno do Colégio Nossa Senhora do Carmo e líder estudantil, Raimundo Reis Ferreira o Xibiu, ganhar a prefeitura de Parintins nos anos 70. Ora atuava como aliado, ora não de Raimundo Reis e do então ex-prefeito e deputado Gláucio Gonçalves. Tonsinho Saunier, historiador morto na década de 2000, foi visto por um tempo como algoz do Bispo Prelado. Alguns integrantes da família do jornalista Fred Góes, também. Mais assim é a democracia tem oposição e situação. Depois tudo era resolvido. 

Relatam antigos vereadores que numa determinada época dos anos 80 a Câmara de Parintins reuniu parlamentares insatisfeitos com determinadas ações do bispo prelado e alguns padres e leigos. Em represaria propuseram taxar alguns terrenos da Diocese. Dom Arcângelo Cerqua soube da “presepada” dos edis. Compareceu a sessão e, antes de começar, teria deixado vazar que estava com farta documentação e talões de cobranças. Um dos principais devedores era o próprio Poder Legislativo. A manobra do Bispo surtiu efeito e, com receio de despejo, durante a sessão “nenhum pio” foi levantada sobre a Diocese.

Foi acusado uma época de entregar cidadãos que eram contra a Ditadura Militar para o Serviço Nacional de Informação, Órgão da Presidência da República que fazia a fiscalização de possíveis comunistas, guerrilheiros subversivos, como eram taxados na época. Em Parintins em 1973, segundo o livro do Padre Sóssio, um grupo novo de missionários padres do PIME não ficou em Parintins, pois não aceitara os métodos de trabalho de Dom Arcângelo.

Certa vez, Padre Benito Di Pietro ( ex-pároco de Nossa Senhora de Lourdes, Sagrado e Nhamundá) relatou-me que pelo jeito simples partenal perante a comunidade, Dom Arcângelo era bastate rígido com os padres da época. Mas também um excelente cantor que adorava entocar músicas, quando do retiro fechado dos sacerdotes, na beira do Macurany, na antiga olaria. Cantava feito um tenor. 

Homem Bom 

A chamada “Ilha da Paz”, Casa de Recuperação para leprosos (hanseníase) e tuberculosos, também na década de 70, a Escola de Áudio Comunicação Padre Paulo Manna, a Gráfica João XXIII foram outras marcas. “O local foi adquirido pela Prelazia para abrigar portadoras da hanseníase que eram abandonadas por seus familiares. A Ilha está localizada na comunidade do Aninga. A Prelazia desde 1970 assistia aos doentes, missionário como o Padre Gino Malvestio, Pe. Vittorio Giurin e Irmão Bruno se dedicaram ao tratamento dos doentes. O irmão Francisco Galliani começou em 1976 seu trabalho de forma sistemática juntos aos doentes, uma de suas iniciativas foi mudar o local de atendimento da Ilha da Paz para um local mais próximo. Com esse objetivo em mente viajou para a Itália em busca de recurso para construir em Parintins uma casa para atender e ao retornar deu início a construção da Casa Padre Vittorio Giurin”, informa Ronaldo Bentes Cavalcante na Dissertação de Mestrado “Ide pelo Mundo inteiro e anunciai o evangelho: As Práticas Sociais e Religiosas do PIME em Parintins” defendida em 2019 para obtenção do título de Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia. Linha de Pesquisa: Sistemas Simbólicos e Manifestações Socioculturais leprosos.

Aliás, o pesquisador Ronaldo Bentes Cavalcante no fim do texto dissertativo sobre Dom Arcângelo, lamenta a forma de como é tratado esse dia 14 de maio, na Igreja Católica de Parintins. “Passados 29 anos da morte de Dom Arcângelo ainda encontramos muitas pessoas que podem testemunhar sobre ele por serem seu contemporâneo, cada vez menos é verdade. No dia 14/05/2019 completou 52 anos da sua sagração episcopal, como estava na cidade por ocasião da pesquisa de campo fazia parte do trabalho a participação na celebração em homenagem a esse fato que entrou para a História do município, a ponto de ser feriado municipal. Acreditávamos encontrar uma igreja lotada, mas não foi o que aconteceu, havia poucas pessoas na missa e a celebração não foi preparada para prestar homenagem ao bispo que muito contribuiu para o desenvolvimento social e religioso da Diocese, exceto o canto de entrada que foi o hino da Diocese e o canto final que foi entoado o hino de Parintins autoria de Dom Arcângelo”, escreveu Ronaldo Bentes Cavalcante em 2019. 

“A impressão deixada é que a própria Igreja local não faz questão de manter viva a memória do prelado, mas Dom Arcângelo vai continuar vivo na memória das pessoas, pois quem entra na catedral não tem como não perceber do lado direito o caixão com os restos mortais do bispo assim como as insígnias Episcopais, se for um católico ou apenas um turista que nunca ouviu falar do primeiro bispo de Parintins vai ter a oportunidade de saber um pouco sobre esse napolitano, pois, ao lado direito do caixão tem uma placa com as principais obras religiosas e sociais que foram criadas por sua iniciativa e outra placa a esquerda com uma breve biografia. Portanto, quando não existir mais ninguém que conviveu com ele, mesmo assim o primeiro bispo da Prelazia/Diocese de Parintins continuará vivo através das obras sociais e religiosas que ajudou a criar que serão passadas de geração em geração”, anotou Cavalcante.

É por essas e outras que dia 14 de Maio é feriado municipal na cidade de Parintins. A simbologia de ser “Dia da Sagração Episcopal do 1º Bispo de Diocese de Parintins” é apenas uma página, no grande livro da vida, deixado por Dom Arcângelo. Que é compositor do Hino Oficial de Parintins e o Hino Oficial da Diocese.

Dom Arcângelo devoto de Maria tinha o lema de pastoral “Duc in Altum- Avançar Mar Adentro”, Dom João Risatti (1988-1993) com o lema “Com Maria, mãe do Redentor”, Gino Malvestio (1994- 1997) adotando o lema “Em nome de Maria” e Giuliano Frigeni45 (1999-atual), que escolheu “Tam Pater Nemo- Ninguém é tão Pai” como lema de seu episcopado.

HINO DA DIOCESE

“Deus a nossa Parintins abençoou,

Quando o Papa a Prelazia aqui criou;

Nova aurora nesta terra despontou,

Sua história mais fulgente se tornou.

De Maués a Barreirinha e Nhamundá,

Desde a Serra até as colinas do Paurá,

Num só corpo a Diocese unida está;

E com Cristo vive e sempre viverá.

(Hino da Diocese, autoria Dom Arcangelo)”

 

Texto: Hudson Lima

Fotos: Arquivo Diocese de Parintins e PIME

Leituras para extrair as informações.

PEZZELA, Sóssio. Do mar de Nápoles ao Rio-Mar. Edições Governo do Estado do Amazonas/ Secretaria de Estado, Cultura, Turismo e Desporto. Manaus, 2002.

CERQUA, Dom Arcângelo. Clarões de fé no Médio Amazonas. 2 ed. Manaus: ProGrafGráfica e Editora, 2009.

TENÓRIO, Basílio. A cultura do boi-bumbá em Parintins. Gráfica e Editora João XXIII,

  1.  

CAVALCANTE, Ronaldo Bentes.  Ide pelo Mundo inteiro e anunciai o evangelho: As Práticas Sociais e Religiosas do PIME em Parintins. / Ronaldo Bentes Cavalcante. 2019