Gripe matou o presidente do Brasil Rodrigues Alves, em 1903

Alves, infelizmente não sobreviveu para continuar sua carreira política. Mas, como a constituição determinava na época, houve uma nova eleição em decorrência da vacância ocorrida antes da metade do mandato.

Gripe matou o presidente do Brasil Rodrigues Alves, em 1903 Obra de Jonas de Barros ao pintar Rodrigues Alves, em 1903 - Divulgação/Centro de Memória de São Paulo Notícia do dia 15/04/2020

Parece filme de terror. Cadáveres jazem na porta das casas, atraindo urubus. O ar é fétido. Os raros transeuntes andam a passos ligeiros, como se fugissem da misteriosa doença. Carroças surgem de tempos em tempos para, sem cuidado ou deferência, recolher os corpos, que seguem em pilhas para o cemitério.

— Por toda parte, o pânico, o assombro, o horror! — exclama o deputado Sólon de Lucena (PB).

Como os coveiros, em grande parte, estão acamados ou morreram, a polícia sai às ruas capturando os homens mais robustos, que são forçados a abrir covas e sepultar os cadáveres. Os mortos são tantos que não há caixões suficientes, os corpos são despejados em valas coletivas e o trabalho se estende pela madrugada adentro.

— Esse grande flagelo parece zombar da fortaleza física do homem e deixa como rastro um número extraordinário de mortos e um exército de combalidos entregues à fraqueza, ao depauperamento, à quase invalidez — afirma o senador Jeronymo Monteiro (ES).

O filme de terror ocorreu em 1918, quando a gripe espanhola invadiu o Brasil. A violenta mutação do vírus da gripe veio a bordo do navio Demerara, procedente da Europa. Em setembro desse ano, sem saber que trazia o vírus, o transatlântico desembarcou passageiros infectados no Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro.

— Todas as classes, desde os humildes trabalhadores até aqueles que gozam do maior conforto na vida, foram alcançados pelo flagelo terrível, que bem parece universal — constata o deputado Sólon de Lucena. — Dir-se-ia que a morte, não satisfeita com a larga messe de vidas ceifadas nos campos de batalha europeus, quis, na sua ânsia de domínio, estender até nós os seus tentáculos.

Lucena (avô de Humberto Lucena, que seria senador nas décadas de 1980 e 1990) se refere à Primeira Guerra Mundial. Em outubro e novembro de 1918, as manchetes dos jornais brasileiros se alternam entre a gripe espanhola no país e as negociações de paz na Europa. É justamente o vaivém de soldados que faz o vírus mortal tocar todos os cantos do planeta.

O presidente eleito Rodrigues Alves e o galã Olympio Nogueira, vítimas ilustres da gripe espanhola

Em todo o Brasil, os hospitais estão abarrotados. As escolas mandaram os alunos para casa. Os bondes trafegam quase vazios. Das alfaiatarias às quitandas, das lojas de tecido às barbearias, o comércio todo baixou as portas — à exceção das farmácias, onde os fregueses disputam a tapa pílulas e tônicos que prometem curar as vítimas da doença mortal.

— Nos subúrbios do Rio de Janeiro, as ruas ficam cheias de cadáveres porque as famílias ficam com medo de serem infectadas pelos mortos dentro de casa. Além disso, a medida facilita o trabalho de remoção das carroças da limpeza pública — explica a médica e historiadora Dilene do Nascimento, da Casa de Oswaldo Cruz.

ACESSE AQUI MATÉRIA COMPLETA DA GRIPE de 1918

Há 100 anos, o mundo presenciou uma realidade totalmente distinta tomada por enfermidades e batalhas. Dos destroços da Primeira Guerra Mundial, surgiu uma praga que chegou a ser comparada a Peste Negra: a Gripe Espanhola. Ela teve tamanha força que conseguiu se propagar por toda a Europa, dizimando inúmeras pessoas.

O primeiro caso foi em 4 de março de 1918, no Kansas, Estados Unidos, onde vitimou um soldado em local de treinamento. Porém, esse registro foi apenas o estopim do que estava por vir, pois, passados seis meses o vírus destinou-se as terras brasileiras, sendo o Nordeste sua primeira hospedagem. A região que foi afetada com milhões de mortos, sendo os jovens adultos os mais contaminados.

Foi devido ao navio inglês Demerara, vindo de Lisboa, no qual posteriormente passou pelos portos de Recife, Salvador e Rio de Janeiro, que em 23 de setembro, despontou a notícia de 55 marinheiros infectados com aquilo que na época foi denominado de dengue e até tifo, que poderiam ter vindas do porto de Dakar, durante as intervenções de guerra na costa da África. Com isso, os marinheiros levaram a epidemia para outras localidades portuárias. Resultando na proliferação, em poucas semanas, de novos casos do Nordeste e em São Paulo.

Enfermeiras carregando macas das vítimas da Gripe Espanhola / Fonte: Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos

Houve muitas incertezas para aceitar que todos aqueles casos seriam consequências diretas da Gripe Espanhola, até porque, na época, os serviços públicos de saúde eram precários e o saneamento básico inexistente. Por isso, o problema foi capilarizado de forma sem igual. Não existiu acepção de pessoas, inclusive porque um presidente da república foi vitimado por ele.

É o caso de Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente da República eleito em 1º de março de 1918 para ocupar o cargo pela segunda vez. Sua condecoração estava marcada para ocorrer em novembro, mas foi postergada em razão da contaminação sofrida pelo vírus do tipo Influenza A, da subcategoria H1N1 – da Gripe Espanhola.

Rodrigues alves foi  vítima da Gripe Espanhola   /Fonte: Wikimedia Commons

Alves, infelizmente não sobreviveu para continuar sua carreira política. Mas, como a constituição determinava na época, houve uma nova eleição em decorrência da vacância ocorrida antes da metade do mandato.

Quando olhamos para o governo que Rodrigues desempenhou nos deparamos com uma política higienista feita no Rio de Janeiro — então capital nacional —  por meio da nomeação do prefeito Francisco Pereira Passos, que realizou um “bota-abaixo” na cidade. O período em questão era o momento da política do café com leite, em que lideranças políticas de Minas Gerais e São Paulo se intercalavam na presidência.