A BICA e a hipocrisia que não ousa dizer seu nome

Mas o caldo de cultura não estaria completo se não surgisse a praga do “politicamente correto” como se fosse uma infestação virulenta das redes sociais. Os imbecis agora tinham uma causa azul, mas levemente desbotada. Os defensores da mentalidade ”politicamente correta”, como se sabe, condenam todo e qualquer gesto que possa ser visto como remotamente ofensivo contra quem quer que seja, já dizia o saudoso Geneton Moraes Neto

A BICA e a hipocrisia que não ousa dizer seu nome Foto Desfile da BICA Manaus, divulgação Notícia do dia 18/01/2020

Estamos em 2008. O tema da irreverente Banda Independente Confraria do Armando (BICA) é uma crítica bem-humorada à Zona Franca Verde e ao quiproquó causado pelo artigo “Arca de Noé”, do professor universitário Sérgio Freire, em que criticava alguns tipos de professores. Um dos versos da marchinha intitulada “Arca da Lambança” dizia “Caboco não é mais mané / Dudu paga 50 / Pra manter o pau em pé”. Ninguém descontextualizou o verso para fazer ilações de que o governador sofria de disfunção erétil ou pagava de garoto de programa. Sim, os tempos eram outros.

Estamos em 2020. Dessa vez, o tema da irreverente BICA é uma crítica bem-humorada à crescente devastação da floresta amazônica. Aí um imbecil descontextualiza um verso da marchinha “Pirralha faz pirraça” (“A Greta quer ver pau em pé / A BICA abunda, bate forte e bota fé”), posta nas redes sociais e banca o lacrador desmiolado: “Além de ser apenas uma criança, Greta tem síndrome de Asperger, um tipo de autismo diagnosticado quando ela tinha 11 anos. O verso é visto como uma agressão desnecessária à garota”.

O que mudou nesses 12 anos?!

Bem, em 2008, o iPhone do Steve Jobs tinha apenas um ano de vida e custava os olhos da cara enquanto as redes sociais estavam apenas engatinhando. A popularização do smarthphone nos anos seguintes contribuiu para a popularização das redes sociais, o que levou o filósofo e escritor italiano Umberto Eco, em 2015, a proferir uma tirada clássica: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.


Mas o caldo de cultura não estaria completo se não surgisse a praga do “politicamente correto” como se fosse uma infestação virulenta das redes sociais. Os imbecis agora tinham uma causa azul, mas levemente desbotada. Os defensores da mentalidade ”politicamente correta”, como se sabe, condenam todo e qualquer gesto que possa ser visto como remotamente ofensivo contra quem quer que seja, já dizia o saudoso Geneton Moraes Neto (leiam o texto dele aí no blog). Piadas sobre minorias? Nem pensar! Marchinha de carnaval com versos de duplo sentido? É caso de colocar os autores em uma fogueira da Santa Inquisição!

Essa percepção obtusa do humor elevou ao cubo a estupidez de um grupo de mulheres que viu no verso descontextualizado da marchinha já citada uma “erotização da adolescente e uma apologia aos crimes de assédio e estupro, além de desrespeito às mulheres”. Olha, manazinha, mas se você conseguiu ver isso tudo num simples verso de uma marchinha de carnaval, so sorry, mas você tem problemas! Freud explica.

E como se comporta essa legião de imbecis? Simplesmente assim: algum imbecil se prontifica a fazer o papel de “coelho”. É ele que vai iniciar o bundalelê politicamente correto. O “coelho” descontextualiza o verso e publica sua “analise antropológica” em uma rede social. O rebanho de ativistas de sofá começa a replicar o texto inicial nos seus timelines. Aí, um grupo da “tchiurma” resolve interpelar a banda na justiça com argumentos mais risíveis que o próprio verso satanizado. O “coelho” que deu início a tudo repercute a interpelação.

Sim, é a cobra engolindo o próprio rabo. Isso é “new jornalism?”

Não, porra, isso é jornalismo gonzo da pior extração. Em um país medianamente informado, a fabricação de notícias em causa própria seria crime hediondo. Seria cômico se não fosse trágico.

Bom, mas se não censuraram nenhuma letra da BICA até hoje não será agora que vai ser quebrada a tradição. Nossos advogados já estão a postos. Quem viver, verá! Taqui pra vocês, chupins desmemoriados!

PS: E é essa mesma turma politicamente correta que quer enfiar na goela dos biqueiros uma música apócrifa com agressões à honra e à dignidade do prefeito e de sua esposa. Assim caminha a humanidade. Giants.

* Por Simão Pessoa Jornalista, Poeta, Compositor e um dos Fundadores da Banda da BICA de Manaus