Movimento Indígena: Jecinaldo Sateré completa 25 anos na causa social e política

Para Jecinaldo, esses confrontos serviram de pano de fundo para o surgimento de lideranças indígenas

Movimento Indígena: Jecinaldo Sateré completa 25 anos na causa social e política Jecinaldo tem mais de 10 processos em decorrência da atuação no Movimento Indígena Notícia do dia 22/03/2016

“Eu peguei um copo de água e joguei nele porque não tinha flecha”. Essa frase proferida pelo índio Jecinaldo Barbosa Cabral Sateré correu o Brasil e chegou às páginas dos jornais internacionais em 2008. O episódio foi durante audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara para discutir a situação na reserva indígena Raposa Serra do Sol. Jecinaldo, chefe da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), jogou um copo d'água no deputado Jair Bolsonaro na época no (PP-RJ). Bolsonaro era conhecido pelas posições a favor da Ditadura Militar e taxou os representantes indígenas e do governo de “de terrorista e mentiroso”. Tal recordação é uma das tantas de Jecinaldo Sateré que hoje aos 39 anos, sendo mais de 25 anos nas lutas indígenas Regionais e Nacionais, diz está mais experiente para novas batalhas.

Há oito anos dá suporte na gestão administrativa e política do prefeito de Barreirinha Mecias Sateré (PSD). Jecinaldo atendeu a reportagem do site ParintinsAmazonas após participar da formatura de mais de 70 professores indígenas do projeto Pirayawara nesse mês de março. Para Jecinaldo, esses confrontos serviram de pano de fundo para o surgimento de lideranças indígenas. Mais de 500 anos de batalhas até uma organização mais sistematizada no movimento indígena na década de 1970 fez aflorar outras lideranças. Essas lideranças tradicionais das aldeias ou lideranças com experiência fora da aldeia, mas sempre forjado no confronto com a classe dominante. Da experiência política e participação de movimentos indígenas é um passo para a disputa política partidária. Em 2016, o próprio Jecinaldo é um dos cotados para concorrer à sucessão do prefeito Mecias Sateré. Ao lado dele, o atual vice-prefeito Mário Carneiro e o secretário de educação Francinaldo Matos. Essa primeira foto a baixo foi tirada pelo fotojornalista Ailton Freitas do Jornal O GLOBO naquel mês de maio de 2008 quando Jecinaldo jogou água em Bolsonaro. O título legenda foi "Índio joga copo dágua em deputado e tumultua reunião sobre raposa serra do sol". Tal legenda é um retrato de como esses cidadãos brasileiros são vistos ainda hoje em nosso país. 

 

Koiote: Nesse ano de 2016 você completa quantos anos de movimento indígena?

Jecinaldo: Já são 25 anos de movimento indígena.

Koiote: Sobre as lendas de Jecinaldo de participação das Farc da Colômbia, cuspe no ministro, água em deputado, ocupação de órgão é tudo verdade? O que é tudo isso? 

Jecinaldo: Acima de tudo um compromisso com a causa das minhas raízes. Eu venho de um povo muito sofrido desde o período da colonização até os dias atuais. Eu fui preparado para entrar numa missão para defender meu povo e outros povos que ainda sofrem no Brasil, chamados de minoria. Populações ainda excluídas que tem muito déficit. Então eu acabei fazendo muita coisa, não me arrependo de nada. Mas talvez faria, hoje, com um pouco mais de maturidade. Hoje tive a oportunidade de concluir duas faculdades. Não consegui concluir porque dei mais tempo para o movimento social indígena e alianças que foram feitas e deixei um pouco o ensino superior.  Então hoje estou concluindo o curso de Gestão Pública pela Universidade do Estado do Amazonas aqui em Barreirinha. Tenho orgulho de ter passado pelas cotas que eu ajudei a conquistar na UEA, UFAM e outras universidades brasileiras e isso representou uma conquista para nós indígenas brasileiros. 

Koiote: Desses 25 a gente vê que você deixou mais o cenário Nacional na COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e investiu mais no cenário estadual e particularmente no Baixo Amazonas. O que te fez tomar essa decisão?

Jecinaldo: Eu passei 15 anos fora da minha região em que praticamente teve uma ascensão muito prematura. Tinha pouco tempo nas lutas e já fui convidado para cargos a nível regional, nacional e posteriormente internacional e dediquei esses 15 a causa do movimento indígena amazônico.

Koiote: As pessoas tinham medo de sofrerem atentado, serem mortas como foi Chico Mendes e outros tantos por isso “vamos escolher Jecinaldo, um rapaz novo...” como era isso?

Jecinaldo: A gente vivia o momento da morte do Chico Mendes, do assassinato do Galdino que foi queimado por jovens em Brasília. Então eu estava vivendo aquele momento e cheguei à maior instância do movimento indígena no Brasil que foi a COIAB, depois à PIB e a nível continental à assumi a diretoria da COICA (Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca  Amazónica) com sede no Equador.

 

Koiote: Por que você voltou?

Jecinaldo: Porque eu vi que tinha uma lacuna na minha vida. Depois de adquirir experiência e conhecimento na prática do movimento social, eu voltei primeiro para ajudar o meu povo, a minha região. Aqui me familiarizei como povo do meu município que é Barreirinha, com a s lideranças e hoje a gente está num novo momento, um pouco mais integrado nesse lado político partidário. Então a gente mais o cenário nacional e internacional dos movimentos sociais indígenas para fortalecer a base e trabalhar o movimento social ligado a questão partidária já com nosso grande líder da área da política partidária indígena que é Mecias Sateré que, ao meu ver, tem o ápice dentro do movimento, puxando a frente de batalha que são as lutas através da política partidária em benefício dos povos indígenas. 

Koiote: Por falar em partidarismo, No Amazonas foi criada Secretaria envolvendo a questão do povo indígena, você foi o primeiro gestor e logo depois eclodiu a eleição do Mecias aqui em Barreirinha e também os dois prefeitos eleitos em São Gabriel. Depois você saiu candidato e em seguida em São Gabriel não conseguiu mais a força. O que aconteceu, faltou alguma coisa nessa conjuntura?

Jecinaldo: Eu creio que a questão da política partidária dentro do movimento indígena ainda é um grande desafio. Mas já há algumas conquistas, produtos dessa articulação que a gente viu na politica partidária assumindo cargos importantes para ajudar nosso povo, porque até então não tínhamos esse olhar por parte dos governantes, principalmente as mais próximas como as Prefeituras e as Câmaras, pois a discriminação ainda é forte. O que aconteceu foi a fragilidade, porque você chegar ao poder é uma coisas, mas você manter o poder é diferente e exatamente ai foi a dificuldade e o grande desafio. Em São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, não conseguiu se manter exatamente porque não conseguiu trabalhar a base para sustentar  a candidatura indígena numa reeleição. Já em Barreirinha conseguimos trabalhar a base indígena em aliança com os caboclos e outras populações ribeirinhas. Tanto e que a reeleição do prefeito Mecias foi relativamente fácil em Barreirinha. Mas também elegemos vários vereadores nas Câmaras e chegamos a ter cerca de 40n vereadores indígenas no Amazonas. Na década de 80, por exemplo, o Álvaro Tucano na região do Rio Negro, Pedro Mendes na região do Solimões foram candidatos, mas não chegaram a 3 mil votos. Já no início de 2000 um candidato Ticuna chegou a seis mil votos, já houve avanço. Em 2010 eu sou lançado candidato e chego a 11 mil votos, uma votação grande e o Mecias Júnior na última eleição chegou a 12 mil. Então a gente acredita nesse crescimento, mas é preciso trabalhar essa articulação para que a gente possa avançar. 

Koiote: Há especulação que o movimento indígena tem um projeto de poder para o Baixo Amazonas. Você confirma isso? Qual é o projeto realmente?

Jecinaldo: O movimento indígena tem um projeto em andamento que é fortalecer as eleições de 2016. Nós estamos buscando lançar candidatura a Vice Prefeitura em Maués, em Nhamundá e Barreirinha. Queremos trabalhar nomes nas prévias e tentar conciliar para que dois ou três candidatos venham numa mesma coligação para eleger e fortalecer o projeto indígena e não individual. Sobre Parintins, avaliamos e percebemos que mexe com todas essas regiões. Então requer de um representante esse compromisso. Temos um Festival bonito que trata sobre a cultura indígena, mas a questão indígena fica marginalizada. Então a gente precisa de alguém para trabalhar essas questões com o Governo. Há demandas gritantes, a população precisa alguém dando apoio. No Uaicurapá são 700 são indígenas e lá surgiu a ideia do lançamento de uma candidatura indígena. O Mecias Jr, como candidato a Deputado, teve quase 1.100 votos em Parintins. Então consolidou para trabalharmos o nome do Mecias Jr. para candidato em Parintins.

 

Koiote: Mesmo ele sendo de Barreirinha? Não vão dizer que é um forasteiro que vão colocar em Parintins?

Jecinaldo: Não, porque Parintins é um Polo, é sim dos parintinenses, mas também do Baixo Amazonas. Parintins é essa referência, por isso é preciso ter alguém para defendê-la e tem a população indígena. Estamos já com 150 famílias que moram nos Bairros do Itaúna e União e mais 700 indígenas no Rio Uaicurapá. Então existe uma população que está desassistida, além de outros caboclos que sofrem o mesmo problema que nós. Voltando à Barreirinha, volto a dizer que temos uma grande responsabilidade. O prefeito Mecias cumpre sua missão e temos que trabalhar a sucessão. Meu nome está em evidência para eleição junto com do Mário Carneiro e do Secretário de Educação Francinaldo.  Voltando a sua primeira pergunta, eu voltei pra cá projetando uma possível candidatura a prefeito. Fui trabalhando durante esses quatro anos.

Koiote: Sobre teus múltiplos trabalhos muitos adversários falam que tu só beneficia os indígenas, não quer saber dos brancos. Isso tudo não acabou te desgastando um pouco? Ou tu não está muito ligado a essa questão da oposição?

Jecinaldo: Eu acredito que a oposição tenta taxar uma imagem ruim sobre a gente, isso é natural principalmente agora com minha pré-candidatura a Prefeito. Mas eu sou povão, eu me sinto a vontade no meio do povo. Então tem coisas que você precisa priorizar e em alguns momentos você vai se desgastar com alguém, porque você vai dizer não também. Claro que vou dar atenção, mas vou priorizar os assuntos mais urgentes. Em todo governo tem crises e eu fui para linha de frente, para o embate e é natural que a oposição e algumas pessoas critiquem. Mas eu não costumo resolver problemas para elite, eu priorizo a classe a classe mais precária. Claro que há ações de governo que vão beneficiar todos, mas a população mais vulnerável leva prioridade. Em recente pesquisa interna apareço bem avaliado com o povão do que com a classe média e alta. No centro de Barreirinha, por exemplo, eu não fui bem avaliado. Pelo contrário, nos bairros periféricos e nas comunidades rurais fui bem aceito.

Koiote: Tu que faz parte do Governo, Jecinaldo, prestes a completar oito anos e parece que o Mecias não para. Está sempre atuando, parece que está sempre em reeleição. É um governo em que se a cidade conseguir absorver pelos percalços que tiveram, com certeza colocaram que o índio e o caboclo deram certo e o projeto do Governo de vocês pode dar espaço de novo.  Têm novidades no projeto de vocês?  

Jecinaldo: Sim, Barreirinha se reencontrou. Estava em uma situação difícil, não tinha hospital, sistema viário e o prefeito conseguiu trazer vários benefícios para população, principalmente da zona rural que estava abandonada. Então houve esse olhar diferenciado e agora precisamos dar continuidade a isso. O grande legado do prefeito além das obras estratégicas em várias áreas, é ter continuado a ser aquela pessoa humilde, simples e que atende o caboclo em qualquer lugar, não há formalidades. Claro que as obras físicas são importantes, mas o povo de Barreirinha pode constatar esse legado de ver que o Mecias não perdeu esse sentimento de ser uma pessoa humana que veio do povo e continua avançando. E partindo desse exemplo de governo, nós temos que dar sequência a esse trabalho.

 

Koiote: Sobre a confirmação de que você é ficha limpa, como foi receber essa notícia? Isso que até caiu como um balde de água fria em algumas pessoas que diziam que não tu não tinha nem título de eleitor para disputar as eleições.

Jecinaldo: Sobre as notícias na mídia nacional, copo d’água no Bolsonaro, ocupação de prédios públicos. Tudo isso me levou a sofrer 10 processos na Justiça, porque por meio dos grandes movimentos conquistamos muitas coisas e eu estava a frente de tudo. Logo fui acusado de muitas coisas, era torturado por processos judiciais. Poucas pessoas sabiam do meu sofrimento e muitos usavam isso contra mim. Nas eleições de 2010 já falavam sobre o assunto, mas o que me manteve foi a fé. Eu poderia ter desistido e me isolar, mas não, eu tive o apoio de vários amigos como o prefeito Mecias e instituições como a OAB. Então conseguimos rever processo já sentenciado, depois em um segundo momento a partir de outro pedido junto a Justiça conseguimos a confirmação de quitação eleitoral. Então para mim é muito emocionante, não simplesmente porque eu queria ser candidato. Mas porque no nosso país quando você luta por justiça, você é perseguido e injustiçado, mas Deus, em primeiro lugar, mostrou o caminho e as pessoas certas. Agradeço a imprensa que em alguns momentos procuraram me defender. Com meu título de volta, estamos prontos para continuar essa missão independente da posição. Eu sou grupo, sou coletivo e estamos ai para continuar porque a luta precisa continuar.

Edição e Revisão: Jornalistas  Mayara Carneiro e Karine Nunes, fotos Arquivo Pessoal.